Em dezembro último, o presidente sancionou a Lei 14.286 que modifica radicalmente o mercado de câmbio no Brasil.
Entre tantas outras medidas que afetarão indivíduos e empresas, uma disposição contida na lei – ainda a ser regulamentada – pode trazer uma autêntica revolução no mercado de capitais. Trata-se da possibilidade de empresas e pessoas físicas operarem diretamente no mercado de compra e venda de moedas, mais conhecido pelo acrônimo Forex (Foreign Exchange Market). Esse mercado é o maior e mais importante segmento do setor financeiro no mundo. Alcança uma movimentação diária de quase US$ 7 trilhões, superando o mercado de ações.
Ocorre que, a partir de uma legislação ultrapassada e retrógrada, o mercado de Forex no Brasil simplesmente inexiste. Lacuna incompatível com a progressão de ativos e de agentes financeiros, servindo de estímulo à entrada de novos investidores. Vivenciamos um período de democratização do capital, ora dominado por fintechs nacionais e internacionais. Passamos da concentração de instituições para uma nova realidade de produtos financeiros. Por isso, o “novo normal” do mercado não mais se coaduna com uma antiquada regulação do câmbio. Incontestável, assim, o fato de que as imposições regulatórias e fiscais (IOF e IRRF) ao fluxo de câmbio em nada contribuíram para a solidez do real e para a previsibilidade da nossa economia. A falta de um mercado de Forex no Brasil gerou todo um ecossistema viciado no que tange ao câmbio: restrições e duro compliance para as fintechs e plataformas; elevada carga fiscal e exigências burocráticas para novos entrantes. Não por outra razão convivemos, há anos, com uma altíssima volatilidade do real e spreads elevadíssimos.
Se por um lado temos uma regulação financeira e fiscal moderna para alguns segmentos, por outro seguimos nas trevas. Somos, por exemplo, um país inovador e um dos maiores mercados do mundo tanto em bolsa quanto em novos ativos, como as criptomoedas.
Mas, por outro olhar, proibimos Forex e o trade de alguns derivativos. Por tudo isso, na sequência desse giro copernicano trazido pela Lei 14.286, se torna imperativa a sua regulamentação. Esta não pode ser tímida, ancorada na ideia de que somos e sempre seremos um país importador de capitais e que rechaça a livre conversibilidade, entre outras mazelas. É hora de escolher entre um mercado do século 20 ou do século 21. E de legar à nova geração de investidores um mercado de capitais pujante e que reflita a dimensão de um país continente. Caso contrário, seguiremos com os dogmas do passado.
Fonte: “Estadão”, 08/02/2022
Foto: Reprodução