A partir do fenômeno das redes sociais, o século 21 tem protagonizado o progressivo declínio das diferentes formas de censura e, como contrapartida, verifica-se a inescapável ascensão da liberdade de expressão.
No Brasil, a saudável influência da liberdade no comportamento das pessoas ganha dimensões inéditas com a emergência de novo sentimento crítico que se projeta para além das mídias tradicionais e se revela contestador diante de verdades antes consideradas sólidas. Nasce, assim, paradigma de cidadania que subverte mentiras, meias verdades, mitos e tudo que possa corresponder a discursos fáceis, sem sustentação na realidade. Não é caminhada em linha reta, mas tendência que se afirma, apoiada na veemente teimosia dos fatos.
Compreender mais a fundo o alcance das mudanças que estão acontecendo pode conduzir à melhor compreensão do mundo atual. Um exemplo em âmbito internacional é o atentado terrorista contra o semanário francês Charlie Hebdo. A brutalidade do crime, sob a alegação de vingança contra as ironias à veneranda imagem do profeta Maomé, mereceu pronta resposta de milhões de pessoas, que foram às ruas de Paris, em outras cidades francesas e em todo o mundo e se manifestaram a favor da liberdade de expressão.
Foi uma reação singular que surpreende pelas dimensões. Ainda é cedo para avaliar o impacto das repercussões, mas não há dúvidas de que equivale à afirmação de novo espírito das luzes, que se espalha não apenas em um único país, mas na Europa e por todos os continentes. No século 18, a razão iluminista foi potencializada pelas ciências e pela filosofia. Hoje, no universo das mídias sociais, torna-se valor perene e universal.
[su_quote]Nada passa incólume à maré ascendente do debate e da busca pela participação[/su_quote]
Quando percorremos a história brasileira, fica a impressão de que o progresso tecnológico caminha em par com o dinâmico processo político. Depois da pré-história republicana, que abraça a alternância de ditaduras e liberdades relativas, o salto tecnológico sem precedentes combinado com o das liberdades públicas, também sem precedentes, motivou o espírito autenticamente renovador. Tanto que cresce a rejeição a qualquer tipo de corrupção e forma de restrição às liberdades.
O modelo de prometer uma coisa e fazer outra vem sendo radical e ostensivamente condenado. Como são condenadas as formas de discriminação e racismo. Nada passa incólume à maré ascendente do debate e da busca pela participação. Não por coincidência assistiu-se à eleição presidencial mais disputada da história do país.
Tudo isso marca o advento de dupla vertente modernizadora. De um lado, a sociedade revela-se amadurecida para refletir e decidir a respeito daquilo que lhe é conveniente ou não, que lhe é prejudicial ou não. Não se trata de soluções pela ótica do mercado, mas pela prática da cidadania. A sociedade bem informada, nesse contexto, se comporta como extensão do parlamento e o influencia cada vez mais nas decisões. Sabe o que quer e não se deixa manipular facilmente.
Na prática, estão ruindo velhos modelos de crítica à realidade, como o chamado controle social da mídia. Controlar o que e para quê? A sociedade brasileira rejeita naturalmente a tutela do Estado em torno daquilo que deseja ou não sabe, e do que deseja ou não se posiciona.
Evidentemente, a informação e a opinião são direitos universais, mas dispensam a ingerência estatal. Desse modo, a pluralidade e o acesso à informação se ampliam em função do próprio modelo democrático. Hoje, a estrutura política é muito diferente das estruturas anteriores à Constituição de 1988. A censura deixou de fazer parte do exercício de poder e a receita que ganha corpo e se multiplica no ambiente social é a seguinte: contra os males da liberdade mais liberdade. Claro, grassa ainda intolerância e contradições próprias do exercício da liberdade. Mas a novidade é que, ao contrário do passado, o autoritarismo e o arbítrio são peças fora do lugar do vasto xadrez em movimento.
Há cinco anos, quando o Instituto Palavra Aberta surgiu, a proposta era justamente essa: a sociedade é mais livre quanto mais livre for informada. É o que acontece agora no Brasil. É o que vem semeando a comunidade internacional. Sob esse aspecto, a contemporaneidade brasileira é inegável. Falta apenas seguir os ventos da liberdade rumo à mais e mais democracia.
Fonte: Correio Braziliense, 11/2/2015
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