“Ideologias perdem espaço junto a eleitor europeu”, estampa O GLOBO deste domingo. Expulsos do paraíso, os europeus se desiludem com a política convencional, que os obriga a escolher entre opções há muito obsoletas: os socialistas à “esquerda” e os conservadores à “direita”, que dominam ainda o espectro político.
Os jovens “Indignados da Porta do Sol”, em Madri, fazem suas manifestações entre os dois chifres de um touro enfurecido na arena política: virem-se para uma “esquerda” economicamente ignorante ou para uma “direita” politicamente reacionária, não escapam de ser espetados. E nos touros portugueses só há chifres do lado esquerdo.
O dogmatismo e a intolerância sempre dificultaram o avanço do conhecimento. São exemplos clássicos o martírio de Giordano Bruno e o processo contra Galileu pela defesa do heliocentrismo de Copérnico. O primeiro foi queimado vivo em 1600. Forçado pelo Papa a retratar-se diante da Inquisição em 1616, Galileu reafirmou sua visão em “Diálogos sobre os Dois Grandes Sistemas do Mundo” (1632).
Obrigado a declarar publicamente, e de joelhos, “repudio, amaldiçoo e abomino os erros e heresias cometidos”, em falso juramento, “o maior homem de sua época terminou a vida em retiro e em silêncio, cego e sob vigilância, proibido de receber família e amigos”, lamenta Bertrand Russell, em “Religião e ciência” (1935).
“Mas existe um perigo ainda maior do que a intolerância religiosa: quando uma crença, uma visão de mundo, torna- se uma moda intelectual, uma ideologia entrincheirada, um substituto para a religião”, adverte Karl Popper, em “A racionalidade das revoluções científicas” (1973). “E os intelectuais são propensos a apaixonar-se por ideologias”, fulmina Popper.
“Sartre é representativo dos pensadores que dominaram a vida intelectual da Europa no século XX. Justificando a violência revolucionária, qualquer que fosse o custo em vidas humanas, instavanos a julgar o comunismo por suas intenções, e não por seus atos”, registram Michel Burnier, em “O testamento de Sartre” (1984), e Roger Scruton, em “As vantagens do pessimismo” (2010).
O abandono das urnas reflete o vazio das opções políticas oferecidas. Mas não há risco para as democracias europeias. “Pois as feridas e todos os males que os homens infligem a si próprios, espontaneamente, por sua livre escolha, são menos dolorosos do que os infligidos por estranhos”, já dizia Maquiavel.
Fonte: O Globo, 13/06/2011
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