A grande imprensa e seus analistas de sempre descobriram um “culpado” para a virtual eleição do seu vilão predileto: o WhatsApp. Segundo os especialistas, este aplicativo é o grande responsável pela disseminação de fakes nesta campanha eleitoral, cujo principal beneficiário, segundo eles, seria Jair Bolsonaro. Tal narrativa é conveniente sob vários aspectos, mas principalmente dois.
O primeiro é uma fuga da realidade. A imensa maioria dos ditos formadores de opinião encastelados na grande imprensa se recusa a admitir o motivo real da ascensão do “tosco” Bolsonaro ao posto de líder de uma reação da sociedade a treze anos de hegemonia petista na política nacional – e tudo aquilo que essa hegemonia trouxe junto consigo, como bem resumiu o ex-ministro Almir Pazzianotto em artigo recente: “Durante 12 anos e alguns meses de regime petista a economia foi desbaratada; a política, aviltada; o País, desindustrializado; o Tesouro Nacional, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás e os fundos de pensão, saqueados. Torrentes de dinheiro foram canalizadas para apoiar ditaduras africanas e latino-americanas. Não satisfeito, usou e abusou do aparelhamento do Estado para se consolidar no governo, ao qual procura retornar com o propósito de arrebatar definitivamente o poder, como declarou José Dirceu.”
O segundo motivo dessa verdadeira guerra surda contra os aplicativos de mensagens é a perda do monopólio na disseminação da informação (tanto falsa quanto verdadeira) e, por conseguinte, a enorme perda do poder e influência que exerciam sobre as pessoas até recentemente. Não se iludam: o principal objetivo desses proibicionistas que hoje pregam restrições ao uso de aplicativos de mensagens – e que no passado recente já se voltaram também contra blogs pessoais – não são as fake-news em si, mas a recuperação do imenso poder que detinham e que veem agora minguar. E aqui não me refiro apenas à grande mídia, mas também aos agentes do Estado, que graças a verbas de propaganda quase infinitas exerciam absurda influência sobre o pensamento das massas.
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Não por acaso, os “especialistas” da mídia e do governo propõem as mesmas soluções para o problema, que vão desde a limitação do número de participantes em cada grupo no WhatsApp, até a proibição do uso do aplicativo no Brasil, passando pela quebra do sigilo das mensagens e outras ideias esdrúxulas e antiliberais. Em resumo, pretendem combater a mentira, um dos mais antigos vícios humanos (embora em algumas circunstâncias seja também uma virtude, a despeito de Kant), com cerceamento da liberdade, como se o cidadão fosse incapaz de defender-se por si próprio. O velho e batido esquema do estado-babá e do Grande Irmão Owrelliano.
A síntese da artimanha proibicionista, como a descrevi alhures, é a seguinte: as pessoas são incapazes de saber o que é melhor para elas e o governo (com a ajuda de meia dúzia de especialistas infalíveis) deve, portanto, protegê-las de seus próprios desejos, necessidades e ignorâncias, bem como da ganância e da esperteza de políticos (e empresários) inescrupulosos. Somente o governo e seus especialistas são sábios, enquanto os cidadãos comuns são seres fracos e sem juízo, que devem ser eternamente guiados e protegidos para que não se machuquem.
O que se vê por aí, entretanto, não é a passividade do cidadão comum diante da disseminação de fakes, como eles pretendem nos fazer acreditar. Pelo contrário: o que se tem notado é que as pessoas estão cada vez mais aptas a diferenciar o falso do verdadeiro nas informações que recebem em quantidade e rapidez cada vez maiores. E, para isso, têm contado com a prestimosa ajuda das diversas entidades de “fact-checking” espalhadas pelo país. Não é por acaso que as seções de checagem de fatos dos grandes portais de mídia estão entre as mais acessadas pelos leitores.
Tocqueville dizia, não exatamente com essas palavras, que o abuso da liberdade deve ser combatido com mais liberdade, não menos. Assim como os anticorpos humanos são alimentados pela exposição do organismo aos diversos tipos de germes, também os anticorpos da população contra a mentira e o engodo só se desenvolverão a partir da experiência e da vivência.
O exercício da liberdade não é simples nem imune a riscos. Assim como as crianças não crescem e adquirem maturidade sem passar por traumas e percalços, também a cidadania precisa se adaptar à vida em liberdade, com todos os riscos e incertezas que ela traz.