Embora ninguém goste de pagar caro, os preços altos têm função: dirigem a oferta de produtos e serviços escassos para aqueles que mais os valorizam ou necessitam
Certa vez, fui convidado para um programa que não costumo aceitar: participar de uma reunião de apresentação das ideias e propostas de um candidato a vereador. Como o autor do convite é um dileto amigo, não tive como recusar. O rapazola era bem falante, articulado e intencionado. Durante meia hora, resumiu suas intenções, caso fosse eleito: propor um sem número de projetos de lei que, a seu juízo, iriam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos do Rio de Janeiro.
No breve debate final, a maioria falou dos problemas que cada um gostaria de ver resolvidos, como asfaltamento de ruas, policiamento noturno, mudanças no trânsito, poda de árvores, alteração de trajetos de ônibus, preço da água de coco nas praias e até multa para cocô de cachorro nas ruas. Na minha vez, eu disse que gostaria de votar num candidato comprometido, única e exclusivamente, com a fiscalização das contas e ações do prefeito, além da revogação de centenas de leis e decretos inúteis ou contraproducentes. A expressão de incredulidade no rosto do moço era visível, principalmente quando eu disse que não apoiava uma só das propostas de lei que ele, orgulhosamente, elencara. Apesar do clima amistoso e descontraído, o futuro vereador (sim, ele foi eleito) não obteve, claro, o meu voto.
Lembrei disso há pouco, ao ler nos jornais sobre uma lei aprovada na Câmara dos Deputados do Rio, de autoria da deputada Cidinha Campos, que regulamentou a forma de cobrança dos estacionamentos rotativos naquele estado, proibindo, entre outras coisas, a cobrança de períodos mínimos. Sob a alegação de proteger os consumidores dos ambiciosos donos de estacionamento, a deputada e seus pares resolveram revogar a velha lei da oferta e da demanda, além de legislar sobre o uso da propriedade alheia.
Resumo da ópera: o que funcionava razoavelmente bem, sustentado por acordos voluntários entre consumidores e prestadores de serviço, e cujos preços eram determinados pelo mercado, virou um caos. Locadores e locatários passaram, de uma hora para outra, da condição de contratantes a inimigos, graças à intervenção dos políticos. Os primeiros, tentando “driblar” eventuais prejuízos que a nova lei lhes impôs da noite para o dia, e os últimos tentando fazer valer os novos “direitos” que a nova lei lhes delegou.
Malgrado os altos preços praticados, estacionar o carro tornou-se verdadeira guerra em alguns bairros e shoppings do Rio de Janeiro. Muitas vezes, dada a dificuldade de arranjar uma vaga e o preço das tarifas cobradas, é mais negócio usar ônibus, metrô ou táxi. Tente o amigo leitor arrumar uma vaga em Ipanema, num dia útil, em horário comercial. Se conseguir, vai pagar caríssimo.
Em alguns shoppings, como Rio-Sul ou Barra-Shopping, a “guerra” por vagas já desaguou em briga corporal e até tiro. Nos principais hospitais privados, como São José, Barra D’Or ou Copa D’Or, a situação é a mesma. Agora, imaginem se os preços fossem tabelados ou “de graça”, como pretendem alguns demagogos.
Embora ninguém goste de pagar caro, os preços altos cumprem uma importante função, não só no mercado, mas na sociedade em geral: direcionam a oferta de produtos e serviços escassos para aqueles que mais os valorizam ou necessitam, ao mesmo tempo em que desestimulam a utilização egoísta e indiscriminada dos mesmos por quem não precisa realmente deles.
Não tenho dúvida de que se o estacionamento em determinados locais não fosse caro, ele simplesmente não existiria ou se tornaria impossível para muitos, em virtude da demanda muito maior do que a oferta. Prova disso é o estacionamento do Aeroporto Antônio Carlos Jobim – vulgo Galeão.
Como se trata de concessão estatal, e funcionando com preços tabelados, as diárias e pernoites estão muito baratas, o que faz com que muita gente deixe o carro estacionado ali por dias.
Eu mesmo fiz isso: deixei o automóvel no aeroporto enquanto passava quatro dias em Florianópolis. Na volta, paguei só R$ 52,00 de estacionamento, muito mais barato do que a viagem de táxi (R$ 120,00 ida e volta) para casa. Em compensação, não consegui parar ali num feriado, quando fui receber um parente que chegava ao Rio: o estacionamento
estava totalmente lotado.
Outro fator para o qual pouca gente atenta é o custo de oportunidade dos espaços destinados a estacionamento. O preço do metro quadrado dos imóveis – para compra ou locação – na Zona Sul e na Barra da Tijuca estão altíssimos. Prova disso é o desaparecimento das últimas casas e postos de gasolina, existentes em abundância nesses bairros, nos últimos anos, dando lugar a novos prédios residenciais e comerciais. Ora, não é difícil inferir que os proprietários dos estacionamentos existentes só vão mantê-los caso a lucratividade seja compensadora.
Além disso, a demanda por estacionamento é bastante elástica, haja vista as várias alternativas de transportes disponíveis numa cidade como o Rio de Janeiro. Portanto, não há qualquer razão, moral ou utilitarista para uma intervenção governamental como a que assistimos. Ademais, como diz o velho brocado: de boas intenções o inferno está cheio.
Egoísta e indiscriminado é achar que só as necessidades de quem pode pagar por um bem ou serviço é que devem ser atendidas.
A necessidade das pessoas é por transporte e esse texto transformou essa necessidade em algo simplório como “estacionar o carro”.
Como se os serviços públicos de transporte não fossem completamente ridículos e com o preço injusto para quem não tem alternativa.