De tempos em tempos, a discussão sobre o comportamento da taxa de câmbio volta à tona. Alguns economistas recomendam maior intervenção do Banco Central no mercado para depreciar o câmbio e, assim, supostamente, estimular a indústria e o crescimento. As intervenções não deveriam se limitar a conter a volatilidade da cotação do dólar, como faz o BC usualmente. Seria muito bom se essa recomendação funcionasse. A realidade é bem mais dura.
O conceito relevante a ser utilizado nessa análise é o de taxa de câmbio real, que desconta o nível de preços. Isso porque a alta do dólar tem impacto inflacionário que acaba “corroendo” a depreciação ocorrida. Quando salários e preços sobem muito, reduz-se o efeito final do dólar mais alto na competitividade externa dos produtos domésticos.
Indo além, se um banco central insistir na estratégia, haverá conflito com o objetivo de cumprir a meta de inflação. Os juros terão de subir e, como consequência, a moeda poderá valorizar ainda mais, desta vez pela entrada de dólares no país. Por aqui, já dá para perceber que o câmbio real é uma variável de difícil controle.
Vale ressaltar que, no Brasil, as intervenções do BC têm efeito de muito curto prazo, o que exigiria grande e preocupante ativismo. Assim, enfraquecer a moeda sequer seria uma boa estratégia de estímulo de curto-médio prazo da economia para suavizar crises.
A formação da taxa real de câmbio é muito mais reflexo do funcionamento do sistema econômico de cada país (no jargão dos economistas, é uma variável “endógena”) do que fruto de atuação dos bancos centrais.
Claro que o ciclo mundial também impacta as moedas dos países, mas é algo fora do controle dos governos. Períodos de maior dinamismo dos EUA vis-à-vis o resto do mundo, principalmente a China, estão associados ao dólar mais forte. Mas a magnitude do seu impacto sobre as moedas dos países, que nesse caso se enfraquecem, depende de fatores internos.
Economias emergentes com gastos públicos controlados e menos entraves estruturais ao crescimento – fatores que limitam o risco inflacionário – tendem a ter uma taxa de câmbio real, em média, menos valorizada ao longo do tempo. Nessa linha, países com taxa de poupança mais elevada (produzem mais do que consomem, somados o governo e o setor privado) tendem a exibir moeda mais fraca em termos reais.
Analisando as taxas de câmbio real efetivo (considera a cotação contra uma cesta de moedas e não apenas o dólar) de um conjunto de países emergentes, desde 2000, nota-se que o Brasil está no grupo daqueles com moedas mais valorizadas. A razão é a inflação mais elevada, e não o dólar ter subido pouco. Pelo contrário. Entre 2000-2019, a alta acumulada do dólar no Brasil foi de 123%, ante uma média de 10% em um amplo conjunto de países e em torno de 20% em emergentes. Em outras palavras, o câmbio subiu bastante aqui, mas a inflação também.
E o impacto do câmbio real sobre o crescimento? Não há evidências robustas de que a moeda mais fraca de um país gera mais crescimento econômico, quando se leva em consideração outras variáveis que impactam o crescimento de longo prazo. É o que apontam Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues em artigo de 2017.
Ainda que, porventura, possa haver algum impacto – como sugere a elevada correlação entre o câmbio real (ou a razão câmbio/salário) e a participação da indústria de transformação no PIB dois anos depois – , a solução não seria intervir no mercado cambial, mas sim eliminar as amarras estruturais que comprimem a produtividade da indústria, reduzem o potencial de crescimento e elevam o risco inflacionário.
A taxa de câmbio não deveria ser um objetivo de política econômica. Convém enfrentar o que realmente importa para sairmos da armadilha do baixo crescimento econômico.
O Brasil é um país hostil ao investimento e à eficiência produtiva, mas ainda não discutimos o suficiente as soluções. O atraso na agenda de reformas estruturais também é reflexo da pobreza do debate econômico.
Fonte: “Estadão”, 17/12/2020
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