Passamos as últimas duas décadas culpando os juros altos e o câmbio valorizado pelo baixo crescimento. Para compensar esses “entraves”, testamos de tudo um pouco: vultuosos investimentos em estatais, subsídios a rodo, regras de conteúdo nacional, crédito direcionado, tarifas de importação, IOF para impedir a valorização cambial…
Foi preciso atravessar a pior década de crescimento da história para que o país se atentasse a reorganizar seus fundamentos. Conseguimos certos avanços no desmonte do intervencionismo estatal e do descontrole fiscal. A inflação baixou de patamar com o câmbio flutuante, permitindo que a Selic caísse de 14,5% para 4,25%.
Como resultado da combinação de uma política monetária expansionista com uma política fiscal apertada, o câmbio se desvalorizou. As condições financeiras frouxas pareciam estar postas para deslanchar o crescimento. Ledo engano.
A causa do baixo crescimento é bem menos superficial do que parece. A aceleração do PIB requer elevação da taxa de investimentos. Esbarramos então em uma forte restrição: nossas poupanças totais domésticas são baixas, da ordem de 13% do PIB, e em trajetória de queda (em 2005 estavam perto de 20%). Segundo o Banco Mundial, ao comparar a taxa de poupança de 130 países, o Brasil ocupa a 106ª posição, muito atrás de grande parte dos países emergentes.
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Os estímulos dados nos últimos anos para gerar consumo e investimentos agravaram o quadro. Foram 100% de natureza fiscal, reduzindo a já baixa poupança do setor público.
A reforma da Previdência foi apenas o primeiro passo para frear a queda. Já a reforma administrativa deveria ter sido apresentada em setembro.
O novo projeto, se enviado, será bem mais enxuto. No passado, recorria-se à inflação, que cortava os gastos públicos em termos reais. Agora, exige-se esforço fiscal continuado. Definitivamente, não há espaço para discussões como a de subsídios a templos religiosos.
A reforma tributária, fundamental para uma melhor alocação do capital, também será restrita e não terá potencial de acordar o “espírito animal” dos empresários.
O Poder Executivo perdeu tempo discutindo sobre a CPMF e, agora, desiste de enviar qualquer proposta a respeito.
Ficaremos à mercê de um entendimento comum entre a Câmara e o Senado, que, como rotina, disputam protagonismo no debate.
Enquanto isso, o ambiente regulatório continua caótico, a insegurança jurídica é um enorme custo para o investimento, e a política para o ambiente afasta o interesse em transacionar com o país.
Sem poupança doméstica suficiente, necessitamos atrair poupança externa. Esperava-se uma nova onda de investimentos estrangeiros diretos com o avanço da agenda de concessões e de privatizações. Aqui há não só dúvidas de timing como também grandes decepções, entre as quais a Eletrobras.
A agenda de reformas trouxe a expectativa de um desempenho extraordinário no mercado acionário. Outro engano. O fluxo de saída de capital estrangeiro da Bolsa, no ano passado, foi de R$ 44,5 bilhões, superando as crises de 2008 e 2009. Não é por menos que o Ibovespa está estável em dólar nos últimos 12 meses, ante uma valorização do S&P da ordem de 20% nos mesmo período.
A participação dos não residentes na dívida pública é a menor desde 2010. Diante da forte saída de dólares do país, o real apresenta uma das piores performances entre as moedas emergentes.
O Brasil perde tempo em um ano encurtado pelas eleições municipais e já mesmo antecipa a disputa presidencial. O mau humor do mercado cresce à medida que brotam pressões dentro do próprio governo para zerar impostos sobre combustíveis, aumentar o repasse da União ao Fundeb, ampliar os repasses aos governos regionais, flexibilizar o teto de gastos.
Estamos retardando em decolar, e a culpa não é do exterior. Não é do coronavírus. É do vírus da lentidão em entender nossos limites ao crescimento.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 13/2/2020