É aceitável que candidatos à Presidência da República atravessem uma campanha eleitoral inteira e cheguem ao dia das eleições sem ter assumido nenhum compromisso preciso sobre o que pretendem fazer em relação aos impostos pagos pelos eleitores cujos votos estão pedindo? Não se trata de pouca coisa. Os candidatos não estão disputando a presidência de um clube de debates; estão solicitando que a população os coloque, simplesmente, no principal cargo público do país. Da mesma maneira, impostos não são um detalhe secundário, que possa ser entregue aos estudos de uma equipe de técnicos e deixado para ver depois. Ao contrário: envolvem interesses diretos, imediatos e permanentes do eleitor, e estão entre as questões mais críticas da economia nacional. Não deveria ser aceito como um fato normal, portanto, que a pessoa que vai estar sentada na cadeira de presidente do Brasil daqui a seis meses chegue lá sem ter dito nada de útil sobre o assunto. Não deveria, mas, salvo alguma grande surpresa, é exatamente isso o que vai acontecer.
Todos os candidatos, é claro, dizem que estão preocupados com o tema. Deploram a situação de anarquia vivida há anos pelo sistema tributário brasileiro. Prometem mais racionalidade, mais eficiência e mais justiça na cobrança dos impostos. Não resistem, obviamente, ao impulso de pregar a necessidade de um regime fiscal mais “enxuto” – eis aí uma palavra que, por alguma razão, fascina os políticos brasileiros. Em certos momentos, chegam até mesmo a dizer que o país está precisando de uma reforma fiscal – junto, naturalmente, com pelo menos mais uma dúzia de outras reformas indispensáveis e urgentes. A única coisa que não falam, em matéria de impostos, é o que realmente pretendem fazer com eles na prática. “Reforma fiscal”, na experiência brasileira, é algo que não quer dizer rigorosamente nada; por isso mesmo a expressão é utilizada com tanta frequência na vida pública, pois permite que a pessoa fique a favor do bem sem ter de assumir compromisso nenhum. Como, na verdade, o conceito de “reforma fiscal” poderia ter algum significado quando o administrador público brasileiro, como princípio supremo, só admite mexer em impostos se houver a garantia de que qualquer mudança não vá diminuir em nada a arrecadação?
Dos candidatos à Presidência, em matéria de impostos, o eleitor tem o direito de esperar três definições muito objetivas e descomplicadas. O candidato, se eleito, vai cortar quais impostos, e em quanto? Vai deixar a situação como está? Vai aumentar o número de impostos ou suas alíquotas atuais? (Fica entendido, evidentemente, que não vale suprimir um imposto ou reduzir uma alíquota e fazê-los reencarnar em outro lugar da receita.) Qualquer manifestação, por parte dos candidatos, que não responda a essas perguntas será, no fim das contas, conversa fiada – e, pelo andar da procissão até agora, é justamente conversa fiada o que o eleitorado vai ouvir até o dia 3 de outubro. Quanto às convicções reais dos dois principais concorrentes em relação ao tema, o que se pode fazer no momento é examinar seu histórico, pois eles mesmos, de viva voz, não se abriram a respeito de nenhuma das três definições mencionadas acima – e não parecem prestes a se abrir. O ex-governador José Serra é possivelmente o político brasileiro de primeiro plano que melhor conhece a administração pública brasileira; se não fala sobre redução de impostos, não é, com certeza, por não saber o que deve dizer, e sim porque a ideia não combina com seu DNA. A ex-ministra Dilma Rousseff tem apontado deficiências no sistema, sobretudo em relação a impostos em cascata, mas ao mesmo tempo não perde nenhuma oportunidade de dizer que concorda em absolutamente tudo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e o que se sabe das posições do presidente sobre o assunto é que ele não aceita, até hoje, o fim da CPMF, algo que trata como um crime de lesa-pátria.
No mais, é esperar e ver.
Fonte: Revista “Exame” – 30/06/10
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