O jornalista Reinaldo Azevedo cunhou uma frase extraordinária para nossos tempos: “Um cientista rigoroso tem dúvidas. Um idiota, nunca!”. Quando falamos sobre o benefício da dúvida devemos, obviamente, considerar que o benefício deve se estender também a quem reflete sobre o tema.
Diariamente muitos constroem certezas sobre as frágeis bases do preconceito, do instinto e da mera boa vontade. Opiniões são emitidas como carimbos da burocracia infinita somente para alimentar uma cadeia infindável de besteiras. A ausência de dúvida — sem as devidas evidências que configurem uma certeza inoxidável — é típica de nossos tempos de “não é possível”.
Não é fácil navegar em meio a tantas opiniões superficiais. Porém, tempos complexos exigem soluções simples de natureza complexa. Trata-se de um paradoxo, mas viver é paradoxal. Imagine, por exemplo, o momento atual. Que dúvidas devemos ter em relação a ele? A primeira delas é sobre se vivemos dentro de uma batalha ética ou não. Em caso positivo, que valores devem ser destacados? A luta envolve que agendas? São agendas transparentes? Sim ou não? Não há como examinar nossa realidade sem ter muitas dúvidas. Apenas os idiotas têm certezas. E existem muitos por aí que propagam certezas de fácil digestão. Certezas fast food.
Outros não são tão idiotas, mas manipulam eficazmente os idiotas. Oferecem o “McDonald feliz” do bom-mocismo como se fosse a reafirmação de valores éticos. Resultam em nada mais do que flatos opinativos, que, mesmo malcheirosos, agradam à patuleia consumidora das certezas gordurosas.
Considerando que tanto a superficialidade das reflexões quanto a manipulação das interpretações são correntes em nosso tempo, o que fazer? A resposta está no benefício da dúvida, que, sem nenhuma dúvida, beneficia a quem a tem. Ter dúvidas é sinal de inteligência em pleno mar de certezas medíocres. E o caminho para a boa dúvida está nas perguntas que fazemos e na identificação do lugar de fala de quem emite “certezas” prontas e acabadas. Mais do que tentar implantar o benefício da dúvida nos outros, escrevo para mim mesmo: que eu tenha muitas dúvidas quando analisar o cenário. Que elas me provoquem ao máximo, a fim de que a certeza, se houver, surja incólume na minha interpretação.
O filósofo inglês Francis Bacon disse que a dúvida é a escola da verdade. Malheiros Dias, escritor português, disse ser prudente o homem que sabe venerar, na desconfiança, a suprema sabedoria. Duvide e desconfie. Escolha boas dúvidas e sobre elas construa certezas que sejam retrotestadas por novas dúvidas, em um ciclo permanente de evolução.
Fonte: “Isto é”, 18/08/2017.
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