Passamos a vida acompanhando o Brasil em busca de seu caminho, de marcar uma rota que pudesse nos preparar para fazer frente aos desafios econômicos do século 21. Ao longo de décadas, oscilamos entre o nacionalismo galopante e o liberalismo de nota de rodapé, com vários tons de cinza no meio. Mas sempre – sempre – com o mesmo e persistente resultado: um dos países mais fechados do mundo, viciado em agrados fiscais e tarifários, ou seja, pouco produtivo, logo pouco competitivo.
Chegamos à segunda década do século com a repetição dessa sina para as gerações futuras – fuga de montadoras do país, estatais submetidas a intervenções políticas, reformas travadas… Mas será mesmo? Ser pessimista é fácil; ser otimista, por outro lado, requer um olhar mais atento. E o fato é que, à parte do que nos chega de Brasília, está em curso uma transformação mais “orgânica” na economia. Ela não é impulsionada por canetadas oficiais, mas sim resultado de uma revolução que se inicia com a globalização dos mercados e se consolida com a sociedade conectada, resultado da profunda disseminação da tecnologia digital.
É esse fenômeno que chamamos de Nova Economia. De maneira geral, o conceito diz respeito à substituição da lógica de produção manufatureira pela do fornecimento de produtos e serviços associados ao desenvolvimento de tecnologia proprietária. Estamos falando de empresas focadas em modelos de negócio digitais – aqueles em que existe uma convergência de múltiplas inovações tecnológicas, potencializadas pela conectividade.
São empresas erguidas em um ambiente de flexibilidade e agilidade inéditas, graças ao advento da computação, da nuvem e das APIs. E foi assim, no mesmo passo dos recentes capítulos de nossa crise interminável, que ocorreu o amadurecimento do ecossistema do empreendedorismo no Brasil. E ele se espalha por muitas áreas: financeira, marketing, setor imobiliário, logística, saúde, mobilidade… A lista só cresce.
Desse caldeirão de startups que fervilhou no Brasil na última década, nasceram os nossos 15 unicórnios – empresas que chegaram à marca de pelo menos US$ 1 bilhão em valor de mercado. São elas: iFood, Arco, Creditas, Ebanx, Gympass, Loft, Loggi, MadeiraMadeira, Movile, Nubank, Stone, Quinto Andar, VTEX, Wildlife e 99. E muitas outras estão prestes a atingir essa marca ou no bom caminho (Cargo X, Olist, PicPay…), incluindo também aí empresas que nasceram na Velha Economia e estão fazendo a transição para este novo tempo, como é o caso do Magalu, do Banco Inter e do BTG Pactual.
Não são apenas empresas “moderninhas”. São iniciativas que, apoiadas na tecnologia proprietária, crescem à medida que a escala aumenta, pois o custo das transações adicionais cai bruscamente. E isso muda todos os seus atributos, começando pela disposição de inovar continuamente, para sustentar a disrupção que, feito peças de dominó, impacta toda a cadeia em que opera. São empresas acostumadas à competição e à mudança, o que não é pouca coisa quando olhamos para a nossa história.
É importante destacar que esse processo representa não só uma profunda mudança de cultura empresarial, mas também uma revolução de valores. E é nesse aspecto que a Nova Economia pode significar aquele caminho que o Brasil nunca encontrou. Apostando em novas ideias, abraçando a inovação constante sem temer os riscos, os novos empreendedores representam o antípoda do oligopolismo que guiou nossa elite por séculos e que é, por definição, excludente.
Nascida no seio da sociedade – às vezes por garotos e garotas munidos “apenas” de uma boa ideia – a Nova Economia carrega a força dessa transformação orgânica, não de cima para baixo. Ela representa, na prática, o fim do compadrio entre Estado e elite que marca a nossa história desde as capitanias hereditárias. Com ele, vão a máquina de dependência das barreiras de entrada e dos incentivos fiscais, que sempre acabam nas mãos dos “amigos do rei” do governante de plantão.
Essa sociedade mais democrática é o ambiente natural da Nova Economia. Na sua lógica de compartilhamento e de escala nas operações, próprias da sociedade conectada, cria-se uma demanda crescente por empreendedores e trabalhadores, o que a torna por definição mais inclusiva e sustentável. Não importa gênero, raça, idade ou classe social. Mesmo.
Nessa nova era vão ser enterrados aqueles que sustentavam o status quo por meio de privilégios, que por sua vez levava ao imobilismo e comodismo, e daí para a nossa imensa desigualdade. O otimismo, como se vê, é possível. Não que dispense trabalho, naturalmente. Temos muito ainda a fazer, e é preciso que os setores produtivos da Velha Economia entendam que não há outro caminho – para elas mesmas e para o Brasil. A mudança é inevitável.
*Diego Barreto é vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood e professor de Estratégia, Negócios Digitais e Nova Economia. É mestre em Administração pelo IMD da Suíça e tem passagens acadêmicas pela FGV e FIA. Também atua como mentor da Endeavor e da 500 Startups (Vale do Silício). É autor do livro NOVA ECONOMIA – Entenda por que o perfil empreendedor está engolindo o empresário tradicional brasileiro.
Fonte: “Época Negócios”, 22/03/2021
Foto: Getty Images