No domingo, 135 milhões de brasileiros decidirão o que a maioria deseja para o País nos próximos quatro anos. As eleições presidenciais de 2010 adquiriram relevância especial pelo fato de que o Brasil de hoje se modernizou e avançou substancialmente nos campos econômico, social e político, passando a ocupar lugar de destaque no cenário internacional.
O futuro presidente se beneficiará de uma situação especial, pois vai começar seu governo com a economia estabilizada e em forte crescimento, com os principais indicadores macroeconômicos positivos, a classe média fortalecida e a sociedade de bem com a vida. A crescente projeção externa do Brasil completa a herança positiva a ser recebida.
Em decorrência de seu sucesso, o Brasil enfrentará grandes desafios internos e externos, com demandas globais, regionais e nacionais.
No contexto doméstico, apesar das conquistas sociais e da solidez dos fundamentos da economia, obtidas nos últimos 16 anos, serão inevitáveis alguns ajustes, em especial nas contas externas. O novo governo enfrentará uma pesada agenda, politicamente custosa, de reformas estruturais, sobretudo a tributária, necessárias para que o País possa continuar a se manter como uma economia emergente pujante e competitiva. O crescente papel do Estado vai influir no modelo de desenvolvimento e no tratamento a ser dado ao investimento externo no capitalismo brasileiro.
Essas mudanças poderão ocorrer ao mesmo tempo que grandes desafios com data marcada deverão ser enfrentados. A organização da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 e a exploração do pré-sal serão um teste de nossa competência gerencial e da capacidade de obter recursos. A melhora da infraestrutura, em especial dos aeroportos, portos e estradas, reduzirá o custo Brasil e oferecerá grandes oportunidades. Os interesses em jogo são grandes e muitos.
É positiva a expectativa externa em relação ao que poderá ser feito para elevar o País a quinta economia global. As ações do novo governo serão acompanhadas de perto, inclusive quanto ao fortalecimento das instituições e ao respeito aos marcos regulatórios, para que seja confirmada a segurança jurídica e política com vista à manutenção do alto grau de confiança de que goza o País.
O Brasil terá de saber superar as incertezas de um frágil ambiente econômico global. A recuperação da economia norte-americana vai ser longa e os problemas fiscais europeus causarão um crescimento mais lento. A China, sozinha, não poderá ser a locomotiva do mundo e os países em desenvolvimento terão um crescimento menos acelerado.
A voz mais forte do Brasil nos assuntos internacionais obrigará o governo a assumir novas responsabilidades e a afirmar sua liderança, sobretudo nos assuntos de nossa região e nos temas globais de comércio, mudança de clima, energia, democracia e direitos humanos. No âmbito regional, a América do Sul está preparada para bem aproveitar a década 2010-2020. Como mostrou a revista The Economist, estamos tão perto, porém ainda longe desse objetivo. Com 52% do PIB da América do Sul, o papel que o Brasil deverá desempenhar será fundamental para o aprofundamento do processo de integração e para o desenvolvimento econômico dos países da região, a melhora das condições sociais e o aperfeiçoamento das instituições. O crescimento sustentado trará maiores oportunidades para o País e exigirá uma ação positiva para concretizar a percepção de que desta vez seremos um continente vencedor.
Daí os próximos quatro anos serem tão cruciais para o Brasil deixar de carregar o estigma de “país do futuro” e para se afirmar como uma força econômica e política de fato no cenário global. O mundo estará observando atentamente o que ocorrer por aqui.
O trabalho de dois governos – FHC e Lula – em quase duas décadas de ajustes e reformas colocou nosso país no lugar de destaque que hoje ocupa no cenário internacional. O Brasil transformou-se num país normal, como a maioria, e não mais um exemplo de heterodoxia e de radicalismo político, como uns poucos.
Em artigo que publiquei em dezembro de 2009 neste espaço, assinalei que talvez não fosse utopia nem ingenuidade pensar numa possível ação convergente entre o PSDB e o PT durante os primeiros cem dias de governo, com vista a aprovar uma agenda mínima que, por uma série de razões, vem sendo adiada há mais de 15 anos. Um entendimento desse tipo, no qual os dois partidos deverão fazer concessões, representaria uma vitória de todos e minimizaria o desgaste de medidas impopulares que terão, em algum momento, de ser enfrentadas pelo futuro governo. O PMDB, agora em posição de poder influir ainda mais, e os demais partidos poderiam acrescentar os votos necessários para uma maioria qualificada, sem o custo político e outros em que os governos FHC e Lula tiveram de incorrer. Não se trata de formar um governo de unidade nacional ou de adesão da oposição. Cada partido manteria sua independência, no governo ou na oposição, mas poderia haver uma trégua com prazo definido, com o compromisso de se chegar a um entendimento para aprovação de uma agenda de, efetivamente, interesse para o País.
Depois da dura campanha dos últimos meses, continuo convencido de que, ganhe quem ganhar, os interesses do Brasil devem ser colocados acima de divergências pessoais e partidárias e deveria ser tentado um esforço para avançar numa agenda mínima comum.
O Brasil tem tudo para terminar a década como um país de referência global. Para isso temos de evitar a complacência com o que já se conquistou até aqui, redescobrir o apetite para as reformas e, em nome do interesse nacional, tratar de construir uma convivência política civilizada.
Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo” – 28/09/10
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