Eu não teria deixado a Califórnia se não acreditasse no potencial do mercado brasileiro”, diz Marco Krapels. O ex-executivo da Tesla – ele ocupava o posto de vice-diretor de Expansão de Energia Solar da companhia – não mede palavras para falar sobre os temas que o movem: energias renováveis, baterias móveis, mundo sustentável. “Eu acredito que, no futuro, cada casa, cada prédio, cada estabelecimento comercial terá uma bateria capaz de armazenar energia renovável. E nunca mais usaremos combustíveis fósseis”, diz Krapels
O executivo de origem holandesa começou sua carreira trabalhando em bancos como o Rabobank, onde abriu uma linha de crédito para negócios que utilizavam energia solar. Seu primeiro cliente foi a Solar City, empresa fundada por Lyndon Rive, primo de Elon Musk: em 2010, o banco financiou a primeira rodovia elétrica movida à energia solar, entre São Francisco e Los Angeles. “Foi um projeto que realmente me conectou com a Tesla e a Solar City”, diz Krapels. Cinco anos depois, foi convidado para fazer parte do time executivo da Solar City.
Em 2017, passou a comandar a área de expansão de energia solar da companhia de Elon Musk. “Nessa posição, visitei vários países, fiz muitas análises. E decidi que o Brasil era um dos países com maior potencial para o armazenamento de energias sustentáveis. Era algo que eu queria fazer na Tesla, mas a empresa não estava pronta, porque estava muito focada nos carros. Então decidi sair e vir para cá.”
A Micropower-Comerc, com sede em São Paulo, foi fundada em 2018. Um dos primeiros investidores foi Lyndon Rive, primo de Elon. Depois, Krapels se associou à brasileira Comerc Energia. Por fim, Julião Coelho, antigo diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), também investiu. Juntos, deram início à companhia. Confira abaixo os principais trechos da conversa exclusiva de Época NEGÓCIOS com o executivo.
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Você deixou o posto de Diretor de Expansão de Energia Solar da Tesla para vir ao Brasil e fundar a Micropower-Comerc. Por quê?
Eu já conhecia o Brasil. Só na Amazônia já estive três vezes. O que eu posso dizer? O Brasil é um lugar muito especial. Nesse momento, o país está recebendo muita atenção, mas de uma forma negativa, por causa das queimadas na Amazônia. Eu quero ajudar a transformar essa atenção em algo positivo. O Brasil é uma potência da energia renovável. Por aqui, 65% da energia já vem de fontes renováveis, as hidrelétricas. No futuro, com o desenvolvimento das fontes de energia solar e eólica, associado ao uso de baterias, deve se tornar a primeira grande nação do mundo a usar 100% de energia renovável. Eu quero ajudar o Brasil a chegar lá.
De que maneira?
Com as baterias móveis. Eu acredito que essa é a peça que falta. Não basta produzir energia renovável, é preciso ser capaz de armazená-la. Veja o caso do Brasil, por exemplo. O país tem recursos abundantes de energia renovável. Mas todos nós sabemos que a disponibilidade de energia hidrelétrica depende do clima. E o clima está mudando. Se um dia a Amazônia desaparecer, o Brasil pode dar adeus à energia hidrelétrica. Mas, mesmo que haja um esforço para preservar a floresta, sabemos que, com o aquecimento global, a disponibilidade de energia hidrelétrica é imprevisível. Por isso, temos que suplementá-la com fontes renováveis como as energias solar e eólica. E daí precisamos armazenar essa energia.
Como isso seria feito?
Hoje, no Brasil, todos os prédios, empresas e grandes estabelecimentos comerciais têm um gerador a diesel, para fornecer energia quando a rede elétrica falha. O que nós vamos fazer é trocar todos esses geradores por baterias a base de lítio. Além de servir como back-up, essas baterias vão oferecer uma gestão inteligente de energia: as empresas vão poder comprar energia, tanto a da rede elétrica, quando de fontes renováveis, quando ela é mais barata, de madrugada, e depois consumi-la no horário de pico, entre 18 e 21h, quando é mais cara.
Esse sistema já está funcionando em algum lugar?
Desde que começamos, já conseguimos clientes importantes, como McDonalds, Coca-Cola e Fasano. Nosso objetivo é colocar baterias móveis em todos os prédios comerciais, hotéis, shoppings, estádios, indústrias. E também nas residências. No Brasil, já há 15 mil casas com energia solar. Não vejo razão para todas essas casas não terem uma bateria móvel. Acredito que, no futuro, todas as construtoras já vão prever uma bateria para cada residência, vai ser o novo normal.
Como foi a recepção dos executivos brasileiros à sua ideia?
Tive uma surpresa agradável. Eu esperava que as empresas fossem se importar apenas com a economia que poderiam fazer. Mas o que eu estou percebendo é que os líderes corporativos, pelo menos aqueles com quem falei, realmente se importam com sustentabilidade. Eles sabem que o consumidor está mudando, e quer cuidar mais do planeta. As crianças estão dizendo a seus pais: ‘Não destrua meu planeta.’ Não é só a Greta Thunberg, são todas elas.
E quais foram as dificuldades que encontrou por aqui?
O Brasil não é para amadores. Imposto no Brasil é um pesadelo. Eu adoraria me encontrar com o [Ministro da Economia] Paulo Guedes e falar sobre como podemos simplificar essas taxas para companhias como a minha, que querem investir milhões de dólares no Brasil, mas não conseguem.
Há dois meses, a Siemens comprou 20% das ações da companhia. Pode revelar o valor da transação? E para que serão usados esses recursos?
Não revelamos valores. Com esse novo investimento, vamos ser capazes de acelerar nossa expansão no Brasil. No momento, estamos trabalhando com algumas companhias muito grandes – shoppings, estádios de futebol, companhias de mineração. Mas não posso dizer os nomes ainda. O que posso dizer é que, nos próximos cinco anos, vamos utilizar US$ 1 bilhão de capital para expansão.
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Você autuou ao lado de Elon Musk por quatro anos. Como é trabalhar com ele?
Elon é um dos mais líderes mais inspiradores que já encontrei. Ele é muito exigente com seus funcionários, mas quem trabalha com ele não sente que tem um emprego, e sim que está numa missão para cuidar do planeta. Sua determinação em criar um mundo mais sustentável faz todo mundo se sentir assim. Nunca esqueci da nossa primeira conversa, quando ele me explicou como seria a eletrificação do planeta. Fiquei fascinado.
Pode me explicar o que significa a “eletrificação do planeta”?
Veja bem, o custo da energia solar e eólica está 80% menor do que era há dez anos. E o custo das baterias para armazenar esse tipo de energia também está 80% menor. E esses preços estão caindo rapidamente. Dentro de dez anos, a combinação entre energia solar, eólica e baterias será a forma mais barata de energia. Então, num futuro próximo, todo o planeta poderá ser alimentado por energia renovável, que será mais barata, mais limpa e mais eficiente. Isso é pura matemática. Além do mais, se não eletrificarmos tudo, nunca vamos alcançar o objetivo do acordo de Paris, de limitarmos o aquecimento global a menos 2 graus.
Você acha essa proposta viável?
Totalmente. A eletrificação não é apenas um must científico, mas uma oportunidade econômica. Com ela, todos os países podem se tornar independentes energeticamente. A Europa não vai precisar de gás natural da Rússia, e assim vai poder eliminar um problema geopolítico. E o Brasil não vai precisar de nenhuma fonte de energia importada, porque o país tem todo o Sol, todo o vento, toda a energia hidrelétrica que precisa. Para ser autossuficiente, só faltam as baterias. E isso nós temos.
Fonte: “Época Negócios”