A presidente Dilma Rousseff avisou que não se pautaria pela mídia. Dessa posição resoluta surgiu a ideia, estratégica, de bancar o ministro Orlando Silva quando ele já estava cheirando a queimado. Em reunião de emergência do estado-maior petista, Lula instruiu Dilma sobre o mais importante a fazer na crise do Ministério do Esporte: não deixar a imprensa demitir mais um ministro. Foi assim que se repetiu, pela quinta vez, o ritual que já é a marca do governo Dilma: ministro prestigiado, ministro elogiado, ministro demitido.
O sonho de consumo do PT é Cristina Kirchner. Ela é um fetiche muito mais eficiente que o do ex-operário no poder, e mesmo que o da “presidenta”. Cristina não é uma mulher no poder – é uma viúva trágica, que faz comício mostrando a foto do marido morto. Se o casal Kirchner já estava avançado em sua ligação direta com o povo, com o populismo ao quadrado da viúva é que a imprensa argentina vai ver o que é bom.
O azar de Orlando Silva foi não ser ministro de Cristina Kirchner. É bem verdade que, no Brasil, o sujeito que comanda um ministério responsável pelo desvio de dezenas de milhões de reais em convênios piratas ainda pode, ao sair, apresentar-se como vítima de “linchamento”. Por outro lado, Orlando teve a sorte de não ser um ministro japonês. Nesse caso, se fosse descoberto favorecendo ONGs acusadas de fraude, em vez de se queixar contra “essa crise que foi criada”, ele poderia estar renunciando à vida.
Na Argentina não haveria nenhum desses problemas. Imprensa que fustiga o governo popular é tratada com mordaça. Até o índice de inflação já é fabricado no quintal da Casa Rosada, para evitar essa praga das notícias ruins. No reino dos Kirchners, o PCdoB poderia exercer à vontade seu comunismo mercantil, sem que jornalistas abelhudos e invejosos se metessem em seus negócios privados com o dinheiro público. Mesmo com a impertinência da imprensa brasileira, porém, o projeto do Ministério do Esporte S.A. está firme para a Copa.
O Brasil vai ao mundial desfalcado de Orlando Silva, mas os desfalques do ministério têm tudo para continuar em campo. Provando que a vida continua, no ato da saída do ministro, Dilma nomeou como interino o secretário executivo da pasta, braço direito de Orlando. A imprensa, que não tem mais o que fazer, logo mostrou que o ministro interino liberara verbas para entidades de fachada. Mas tudo bem, porque a cabeça do ministro rolou e a opinião pública está feliz com a “faxina”. Sinal verde para o partido vermelho.
Quase simultaneamente ao anúncio da demissão de Orlando Silva, os depoimentos do PM e do motorista que o denunciaram, marcados para a Câmara dos Deputados, foram cancelados. Eles que são ex-sócios que se entendam. Desse acerto, pelo visto, o Brasil não vai participar. E o escândalo do Esporte seguirá o mesmo rumo das investigações do Dnit, da consultoria de Palocci e demais tramas da faxina de folhetim: das manchetes para o pé de página, e dali para debaixo do tapete, de onde todos sairão reabilitados, provavelmente como consultores.
A culpa é da imprensa, que não prende ninguém. No auge do caso Orlando Silva, com o cipoal de incertezas sobre a Copa do Mundo e a confusão instalada no primeiro escalão do governo, surge a manchete: “Dilma silencia sobre a crise”. Mais um erro da mídia. A manchete correta seria: “Afinal, quem é Dilma?”.
Essa estadista aclamada por tudo o que não faz e não fala, cuja grande virtude é descansar os ouvidos da nação da verborragia de Lula, poderia dar ao menos uma pista de sua vocação de liderança – um prognóstico, um palpite, uma tirada, ou qualquer coisa além dos discursos de solenidade e frases ensaiadas. Dizem que Dilma está “irritada” com a CBF, “furiosa” com a infraestrutura, “decidida”, “encantada”, “indignada”… Será que a presidente só existe em off?
O que ela estará achando da tragédia anual do Enem? E dos feriados para compensar o colapso dos transportes nos jogos da Copa? Que projeto, afinal, esse governo tem para o Brasil, além da distribuição de bolsas e cargos? No fim das contas, Dilma poderia parodiar a canção de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, em agradecimento a quem vem salvando seu mandato do vazio existencial: “Não sou eu quem me governa, quem me governa é a mídia”.
Fonte: revista “Época”
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