Nunca tantos quiseram debater tão pouco. O brasileiro, de modo geral, parece conformado com nosso sistema político travesti, que, de dois em dois anos, ressurge com uma fachada colorida, com as mesmas musiquinhas, apelando para seu voto nos candidatos e temas mais absurdos. A isso chamamos, confiantemente, de sistema democrático de governo. Mas uma extensa máquina financeira eleitoral opera os interesses reais dos participantes desse “sistema”.
Na campanha de 2010, alguns contornos são originais. Primeiro, a derrota do debate e a vitória da carta branca. Segundo, a projeção do sucesso atual da economia brasileira como garantia de resultados futuros. Ambos têm implicações perigosas. Com a possível decisão em primeiro turno, temas de grande interesse nacional, como a carga de impostos, a qualidade da educação, o excesso de gastos correntes, o estado lastimável da saúde e o caos na infraestrutura, retornarão ao nível das declarações vagas, já que o voto se tornou plebiscitário. É um voto de confiança irrestrita, e nada mais. O cidadão parece disposto a aceitar o jugo do imposto, o ensino repetente, a gastança do político, a fila hospitalar, desde que não se mude o atual modelo que lhe ampliou o crédito para consumo ou o consignado sobre a aposentadoria magra.
A consequência do voto majoritário passivo, indiferente ao debate, desprovido do mínimo de emoção e pensamento próprio, traz sequelas ao cenário econômico. A menos que tenhamos a grata surpresa de ver na Presidência alguém disposto a bancar um processo de real transformação, a tendência será seguirmos atrelados à nossa vocação periférica de país provedor de matérias-primas ao mercado externo, forte consumidor interno e fraco poupador. Temos uma taxa de poupança, por exemplo, em torno de um terço da praticada na China, o que já explica a imensa distância entre nós e eles na capacidade de crescer. Estamos destruindo nossa capacidade de industrializar, debaixo de uma carga tributária extorsiva e desajeitada, um custo financeiro cronicamente elevado e um câmbio para lá de punitivo.
Esse é um modelo de alto consumo relativo, que produz verdadeiros milagres eleitorais, sempre que se consegue adequar a hora do gasto com o momento do voto. Aconteceu no primeiro mandato de FHC, quando bateu Lula em primeiro turno, às vésperas da quebra da economia, um pouco mais à frente. Desta vez, a história não se repete, felizmente, da mesma maneira porque temos um farto colchão de dólares no cofre. Mas será esse o caminho de uma nação que pretende colher o benefício de ter sua população chegando à idade adulta (em média, é claro) e dispondo de uma base econômica rica em áreas agricultáveis, em água e energia?
O cidadão parece disposto a aceitar imposto alto,
mau ensino, fila do hospital, desde que tenha crédito
Uma conta rápida, projetando o Brasil dos próximos 20 anos, em 2030 – que é um pulo no tempo, mesmo no prazo de nossas existências –, revela que há “um Brasil a mais” para ser aproveitado por nós e pelas próximas gerações. Isso dependerá de o novo governo, instalado em 2011, entender sua missão de longo prazo no redesenho da capacidade de poupar e investir do povo brasileiro, aí incluindo o setor privado e famílias, e principalmente o próprio governo.
Esse “Brasil a mais” representaria um ganho de R$ 3,4 trilhões, até 2030, em acréscimo ao PIB projetado naquela data, caso consigamos aplicar aqui um regime de alto investimento. Em vez de duplicar, o PIB brasileiro poderia triplicar de tamanho até 2030. Essa diferença, em termos de redução de pobreza, de aumento geral de bem-estar e de projeção estratégica do país no conjunto mundial, é tão importante a ponto de determinar se o Brasil sairá ou não de uma posição relativamente periférica na história do século XXI.
Infelizmente, o modelo de democracia que praticamos exclui o debate e afasta, embora sem eliminar, a chance de adoção de transformações mais corajosas e rápidas, num país aparentemente sempre disposto a falar muito de mudanças necessárias – para que nada, de fato, saia do lugar.
Fonte: Revista “Época” – 30/08/10
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