Imagine uma pacata cidade do interior do Brasil. A capital hondurenha – Tegucigalpa – não será muito diferente. Honduras é um país pequeno, com 8 milhões de habitantes, incrustado na verde cordilheira da América Central. Pode parecer um cenário convidativo para aqueles filmes americanos com mestres da valentia de mentirinha, como Sylvester Stallone. Pois é lá que o governo brasileiro resolveu exercitar, de maneira desajeitada, sua musculatura diplomática.
O Brasil interferiu numa delicada questão interna de Honduras oferecendo um palanque privilegiado ao ex-presidente Manuel Zelaya, cujo afastamento fora decretado pelo Supremo Tribunal local. Nessa “bola dividida” em que resolveu enfiar a perna, o governo Lula corre o risco de fraturar a canela. Por trás do impasse diplomático, há uma velada denúncia de abandono econômico não só de Honduras, mas também de toda a região centro-americana, palco de sucessivas escaramuças entre grupos políticos que se opõem apenas para manter a estagnação e dependência. Isso é a cara de nossa Latinoamérica, que – com escassas e honrosas exceções – não conseguiu ainda se livrar de quarteladas sucessivas de direita e esquerda, embora cada vez mais distanciada do interesse de seu vizinho rico, os Estados Unidos. No caso Zelaya, o padrão pastelão não foi diferente: os EUA deram de ombros à iniciativa escoteira de Lula, de esconder no prédio de nossa embaixada o presidente protogolpista.
Infelizmente, o Brasil ainda não lidera a região como deveria, puxando o exemplo de um crescimento acentuado de sua economia. Com uma taxa de investimento sofrível, nosso país não gera poupança suficiente para bancar o script de líder regional, apesar do abalo financeiro dos americanos. Surfamos, no momento, uma fase positiva. Mas isso é apenas uma promessa de liderança futura, não um cheque à vista, como Lula parece querer sacar de seu caixa político externo. Ações de influência estratégica são perfeitamente concebíveis para um país que senta no G20, como o Brasil. No âmbito centro-americano, porém, o espaço de influência do Brasil se restringe ao bom exemplo. Países da América Central estão completamente fora de nosso arco de persuasão. Além disso, a ofensiva brasileira em Honduras empareda a posição de outro aliado nosso, o México, também participante do G20, que teria muito mais a dizer nesse episódio.
O mundo pós-crise se organizará em torno de poucos e poderosos blocos de aliança política e comercial. Os EUA lideram um desses blocos, do qual fazem parte a América Central e o Caribe. A China é outro bloco, espalhado pela Ásia, mas com tentáculos avançando pela África e na vizinhança sul-americana. A Eurolândia, um terceiro enorme bloco. E qual seria o bloco do Brasil? (Por favor, não vale a piada rápida de que é o bloco de Carnaval!)
Este mundo de blocos e relacionamentos delicados entre nações está pegando o solteirão desajeitado chamado Brasil meio despreparado para a construção de um espaço em que tenha liderança e destaque. O Brasil busca organizar o tal bloco, mas sua presença, por enquanto, só se faz ouvir pelo alinhamento com contestadores da democracia no mundo.
Esse modelo de atuação precisa mudar, sob pena de nos prejudicar o avanço na implementação de um bloco de efetivas afinidades econômicas, culturais e geográficas. O Brasil perde ao não se concentrar em seu próprio jogo, que depende de desenvolver primeiro a infraestrutura em seu território, estendendo-a, em seguida, aos vizinhos mais próximos. E nisso tampouco vamos bem, com o PAC empacado. Lula sabe fazer barulho e criar situações de barganha política desde seus tempos de sindicato. A cena internacional pode parecer, numa avaliação ligeira, uma assembleia de sindicato ampliada, mas os resultados adversos podem ser bem mais perigosos. Convém, por isso, manter o foco em nossas próprias “honduras” (no vernáculo, funduras). Como Colombo uma vez dissera, esperamos que Lula possa em breve dizer: “Gracias a Dios que hemos salido de esas Honduras”.
(Época – 05/10/2009)
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