O Caso Palocci II (achei melhor numerar pois sabemos lá quantos ainda virão aí pela frente?) conseguiu revelar virtudes e defeitos da imprensa brasileira. Seria oportuno que a mídia papel prestasse atenção em ambas as condições para talvez, a partir de análise consistente, possa reencontrar-se com os caminhos da evolução.
Falemos primeiro das virtudes. O Caso Palocci II – a compra pelo então Ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, de dois imóveis em São Paulo por valores acima de R$ 7 milhões – foi revelado por um jornal, a “Folha de S. Paulo”, e só por isso teve ampla repercussão e culminou com a demissão de Palocci do governo pela segunda vez. É admirável como a mídia papel preserva a sua influência e a sua força transformadora, um diferencial fantástico em relação ao seu hoje principal concorrente, o meio digital ou eletrônico.
O caso é precioso em nos demonstrar que os jornais são, muitas vezes, o meio mais adequado – e talvez único – para “tornar pública pela primeira vez” uma informação com essas características. O que a Folha fez, com propriedade, foi levantar uma suspeita, de modo que o caso poderia ter outro desfecho se o acusado comprovasse sua inocência. A televisão não é o meio mais indicado para levantar a “primeira suspeita” de um assunto que tenha essa importância política. A mão da TV é pesada demais, se for certeiro o soco que ela desfere levará o acusado a nocaute, sem chance para que possa apresentar sua defesa. Melhor que ela fique, em casos com essas características, apenas com o repercutório, embora fosse saudável que também tentasse ampliar aquela “primeira informação” divulgada pelos jornais, o que não fez, nesse caso.
É possível enxergar também com mais clareza os limites da Web na propagação de notícias como essas. Por suas características técnicas e conceituais, a Internet não tem, digamos assim, força institucional para “tornar pública” uma denúncia. A Web funciona como uma bolha, uma redoma. As informações que ela transporta “só se tornam públicas” – e assim alcançam repercussão aberta, junto à sociedade – depois de comprovadas e divulgadas pela mídia convencional. Se as primeiras informações sobre o Caso Palocci tivessem sido depositadas numa ou em várias mídias da Web – e se nenhum jornal ou revista tomasse a iniciativa de publicá-las – o mais provável é que elas continuariam na “bolha” até hoje e a gerar a mesma pergunta nos quatro cantos do país: “Será que é verdade?”. Por oferecer facilidades à implantação de mídias a qualquer cidadão do mundo, a Internet já nasceu com um índice de credibilidade zero.
Fala-se muito, por exemplo, na integração da mídia papel com as mídias digitais e não se fala nada da necessidade oposta, ou seja, de se complementar a mídia eletrônica pela mídia papel. O debate sobre o futuro da mídia papel tem, portanto, um dos pés quebrados.
Falemos agora dos defeitos, expostos com realismo na cobertura desse caso. Palocci defendeu-se das acusações de enriquecimento rápido e provavelmente ilícito afirmando que o dinheiro usado para compra dos dois imóveis veio das receitas de sua empresa de consultoria. Sob alegação de que os contratos de sua empresa com clientes estavam protegidos por sigilo evitou revelar nomes e valores. Se Palocci não revelou, a imprensa também não demonstrou haver realizado qualquer esforço de apuração e de investigação para tentar descobri-los. O maior avanço da imprensa na cobertura do caso foi alcançado pela revista “Veja” com a revelação da história, ainda mais misteriosa, dos direitos de propriedade do imóvel onde Palocci mora, em São Paulo. Trata-se, contudo, de uma história que surgiu na paralela e que também ainda não foi suficientemente explicada pela mídia que a levantou e nem por outras.
Já disse, em artigos anteriores, divulgados neste espaço do Millenium, que a imprensa perdeu quase toda a sua capacidade investigativa e que tem optado, nos casos de corrupção, pelo que é chamado de “denuncismo”, isto é, a denúncia pela denúncia, realizada no mais das vezes via “Kit Imprensa”, informações que lhe passam instituições como a Polícia Federal e o Ministério Público. Essa característica ficou ainda mais visível na cobertura do Caso Palocci II. Ao invés de investigar, a imprensa preferiu atribuir ao acusado o ônus da prova e houve articulistas capazes de afirmar que o Ministro tinha o “dever moral” de revelar quais os clientes que lhe deram o dinheiro para comprar os imóveis paulistanos.
A imprensa revelou-se também nesse caso como espécie de polvo sem tentáculos, talvez porque grande parte de seus talentos tenha, convenientemente, migrado para o que é chamado de “colunismo”. Houve um tempo em que as colunas traziam o ponto de vista de quem as escreve fortemente baseado em informações captadas no dia a dia do trabalho jornalístico. As informações desaparecem em escala progressiva e cedem lugar a perguntas – de onde veio o dinheiro do mensalão? De onde veio o dinheiro de Palocci ? – como se agora fosse obrigação do leitor respondê-las.
Como diria Mateus, ponto de vista por ponto de vista, prefiro ficar com os meus.
No Comment! Be the first one.