Os resultados do PIB em 2020 divulgados pelo IBGE vieram em linha com a estimativas de vários analistas. Em particular, a queda de 4,1% foi próxima da projeção do IBRE/FGV, de redução de 4,3%. O desempenho dos grandes setores também correspondeu às projeções, com desempenho igual ao previsto na agropecuária (aumento de 2,0%) e indústria (queda de 3,5%), e redução menor dos serviços (-4,5%) em relação à estimativa do IBRE (-4,7%).
A retração do PIB foi bem menor do que se imaginava no início da pandemia. No final de maio a projeção do IBRE era de uma queda de 5,4% em 2020. Algumas instituições chegaram a prever uma redução em torno de 9%.
Apesar desta boa notícia, as previsões para 2021 têm sido sistematicamente revisadas para baixo. Após a divulgação do PIB, o IBRE revisou a projeção de crescimento de 3,6% para 3,2%, com quedas de 0,5% nos dois primeiros trimestres.
Em grande medida, os fatores que contribuíram para o desempenho melhor que o esperado em 2020 estão relacionados com a desaceleração no início de 2021. Embora a recuperação da economia brasileira desde abril tenha sido relativamente rápida, ela decorreu principalmente de estímulos temporários de grande magnitude, especialmente o auxílio emergencial.
Apesar de ter tido um papel importante no sentido de proteger os trabalhadores informais que tiveram uma queda abrupta da renda decorrente da pandemia, o auxílio emergencial foi excessivo tanto em termos de valor mensal como de número de beneficiários, atingindo um montante de quase R$ 300 bilhões, equivalente a mais de 9 vezes a despesa anual do Bolsa Família.
A elevação de 15 pontos percentuais da relação dívida/PIB em 2020 resultou em forte depreciação cambial, inflação mais alta e aumento das taxas de juros longas, com consequências negativas para o setor real da economia.
Outro fator importante para explicar a desaceleração da economia neste início de ano foi o agravamento da crise sanitária no país, envolvendo uma combinação de recrudescimento da pandemia com um processo de vacinação lento e caótico.
Este cenário era bastante previsível no segundo semestre do ano passado. Diante da flexibilização do distanciamento social, do surgimento de uma segunda onda na Europa e da completa falta de uma estratégia de vacinação por parte do governo federal, não era difícil imaginar a deterioração da crise sanitária no Brasil.
Como salientei neste espaço, o governo deveria ter apresentado e debatido com o Congresso um plano claro no sentido de estabilizar a trajetória da dívida pública nos próximos anos, envolvendo uma PEC Emergencial robusta e uma reforma administrativa.
No entanto, a agenda fiscal ficou paralisada no segundo semestre, sem que tenha sido votada a Lei Orçamentária para 2021 e sem qualquer discussão sobre a PEC Emergencial. A reforma administrativa, por sua vez, não teve qualquer avanço.
Também teria sido importante que o governo e o Congresso tivessem se preparado para o agravamento da situação social decorrente da pandemia e do fim do auxílio emergencial. Com este propósito, o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) divulgou em setembro o Programa de Responsabilidade Social, para o qual tive o prazer de contribuir. Esta proposta foi em grande parte incorporada ao PL 5343/2020, de autoria do Senador Tasso Jereissati, mas o projeto ainda não avançou em sua tramitação.
A consequência desta inação é que a piora na pandemia atinge o país em um contexto muito vulnerável, na qual a situação fiscal não permite uma renovação do auxílio emergencial em larga escala, o aumento da inflação impede que o Banco Central utilize estímulos monetários e a piora do quadro social gera uma demanda legítima pela renovação do auxílio.
Na tentativa de compatibilizar a demanda social pela renovação do auxílio com o equilíbrio fiscal, foi aprovada ontem no Senado a PEC Emergencial, que agora segue para a Câmara.
Minha avaliação é de que foi um erro estratégico apresentar inicialmente um relatório propondo a desvinculação dos gastos de saúde e educação. Independentemente da discussão de mérito, era evidente que haveria forte reação do Congresso, que no final do ano passado dobrou a aposta na vinculação de recursos da educação, ao aprovar o novo Fundeb.
Isso acabou atrasando a votação da PEC Emergencial e desviou a atenção do objetivo principal, que era assegurar uma contrapartida fiscal para o pagamento do auxílio.
Além de não prever qualquer redução imediata de gastos, os gatilhos do teto provavelmente só serão acionados em 2025. Em sua versão final, houve uma desidratação adicional, com redução do período de acionamento dos gatilhos em caso de nova decretação de calamidade pública, de três anos para um ano. Em princípio, a inclusão de um limite de R$ 44 bilhões para o valor do auxílio ajuda na sinalização do impacto fiscal do programa, mas existe o risco deste valor ser aumentado na Câmara.
Um ponto positivo foi a criação de mecanismos de acionamento de gatilhos para estados e municípios, mas seu caráter voluntário enfraquece seus efeitos. O plano de redução de renúncias tributárias para 2% do PIB em oito anos poderia ser algo importante, mas as exceções previstas, como Simples e Zona Franca de Manaus, já reduzem seu impacto potencial pela metade. Também cabe lembrar que mecanismo semelhante já foi incluído na LDO sem qualquer efeito prático.
Diante dos vários desencontros e boatos em torno de uma possível exclusão do Bolsa Família do teto de gastos, poderia ter sido pior. Mas é pouco diante do desafio fiscal que se coloca.
Fonte: “Blog do Ibre”, 08/03/2021
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