Qualquer pessoa medianamente informada sabe que a democracia representativa passa por mais um ciclo de ataques na América Latina, região com longa história de recaídas autoritárias. Mas quando é traçado o cenário de cada país, constata-se que há uma tendência de agravamento deste quadro.
Reunida em São Paulo, onde realiza a sua 68º assembleia geral, a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), em que se congregam grupos de comunicação do Canadá à Argentina, fez, como a cada ano, um balanço do respeito — no caso, desrespeito — à liberdade de imprensa e informação, no continente, o melhor termômetro para se medir o teor de democracia real de cada regime.
O quadro é nada animador. E, neste sentido, o destaque fica com a Argentina, onde o governo de Cristina Kirchner, que se mostra cada vez mais uma aplicada aluna do caudilho venezuelano Hugo Chávez, prepara uma espécie de assalto final ao grupo Clarín — junto com La Nación, remanescente da imprensa profissional, sob cerco da Casa Rosada.
Cristina não concede entrevistas coletivas, se reserva a convocar de forma abusiva cadeias de TV e a se valer da rede de rádios, TVs e jornais subjugados em troca de generosos repasses da grande verba de publicidade estatal. E aproveita o vencimento de uma cautelar do Clarín contra a Lei de Meios para estabelecer a data de 7 de dezembro como limite para o grupo se desfazer de várias concessões de rádio e TV — em benefício, é certo, de amigos da Casa Rosada.
Há, inclusive, uma campanha dos veículos aliados de Cristina sobre o dia “7D”, alusão evidente ao Dia D, da invasão da Normandia pelos Aliados, na Segunda Guerra. Porém, juristas garantem que, na pior das hipóteses para o Clarín, a partir do vencimento da medida cautelar terá de passar ainda um ano antes de as regras escritas para reduzir o tamanho da empresa — e fragilizá-la economicamente — entrar em vigor.
A tensão é crescente e justifica a proposta feita no encontro da SIP para a entidade enviar missão a Argentina, a fim de acompanhar o caso de perto, junto ao Clarín e ao governo.
No Equador, onde o governo também é plasmado pelo chavismo, e na Venezuela — nesta, por óbvio, por ser o farol do “socialismo bolivariano” — os casos de violência contra jornalistas e veículos se sucedem. No país de Chávez, a campanha eleitoral, a mais difícil enfrentada pelo caudilho, serviu de pretexto para ataques a profissionais, atentados a tiros contra sedes de jornais, TVs etc. Já no Equador, o presidente, Rafael Correa, com o controle do Legislativo e Judiciário, baixa normas draconianas contra a imprensa, além de proibir que qualquer agente público passe informações para a mídia independente.
Há uma nuvem de autoritarismo sobre o continente. Ela se move e fica cada vez mais densa.
Fonte: O Globo, 16/10/2012
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