O anúncio, de quatro minutos, foi feito pela presidente Cristina Kirchner no domingo, durante a transmissão dos jogos de futebol, para alcançar grande audiência. A ameaça tem data marcada, 7 de dezembro, e um alvo evidente: o grupo Clarín, com suas concessões de TV e rádio.
Herdeira do kirchnerismo, corrente fundada no peronismo pelo marido, Néstor, morto quando se preparava para tentar voltar a se eleger presidente, Cristina aprofunda o projeto populista, autoritário, de controle dos meios de comunicação independentes, caso do Clarín e do Nación. No entendimento da presidente argentina, entrará em vigor em 7 de dezembro o artigo 161 da Lei dos Meios Audiovisuais, feita sob medida para o Estado tutelar a mídia em geral, a imprensa em particular. Este artigo, redigido para ser, alegadamente, um instrumento de “democratização dos meios de comunicação” e da ampliação da “diversidade” no setor, visa, na realidade, a ser a base supostamente legal para inviabilizar o Clarín como empresa com independência editorial, por obrigá-lo a se desfazer de várias concessões na mídia eletrônica. A ameaça de Cristina K. é contestada. Garante a direção do Clarín que neste 7 de dezembro não pode acontecer nada com o grupo, “sabe perfeitamente o governo”. Mas a data não é uma escolha aleatória. Nela vence uma medida cautelar obtida pela empresa junto à Corte Suprema, que impede a aplicação do tal artigo – de fato uma aberração, por retroagir no tempo e cassar direitos líquidos e certos. E, como o mérito ainda não foi julgado, estabelece a mais alta Corte argentina que a cautelar seja prorrogada.
Mas é do perfil agressivo do governo Cristina atropelar instituições. A seguir a Lei dos Meios e a interpretação que dela fazem a Justiça e constitucionalistas, para a aplicação efetiva do artigo 161 ainda seria necessário um ano de prazo, tempo suficiente para novas ações judiciais. A Lei dos Meios é parte de um projeto político de poder com nítida inspiração no venezuelano Hugo Chávez, responsável por estrangular a liberdade de imprensa no seu país e servir de exemplo, não apenas a Cristina K., mas a Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador. No Brasil, onde as instituições democráticas são mais sólidas, o chavismo não tem espaço, embora exista.
A presidente argentina já avançara sobre Clarín e Nación ao expropriar o controle da Papel Prensa, mantido pelos dois grupos, e passar a controlar o insumo, vital para os jornais. Agora, é a hora do ataque sobre as redes de TV e rádio do Clarín. Caso tenha êxito nesta emboscada, concessões deverão ser passadas para amigos da Casa Rosada, como tem acontecido, também privilegiados na distribuição das verbas publicitárias oficiais. Sequer a Lei dos Meios vale para eles. Em troca, Cristina convive com uma dócil imprensa chapa-branca. Tanto que o “cacerolazo” recente, em Buenos Aires, contra seu governo, só foi noticiado pelos poucos veículos independentes. A Argentina se aproxima da Venezuela.
Fonte: O Globo, 25/09/2012
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