Senhoras e senhores, não vamos nos iludir. O Brasil já estava quebrado e o trágico advento do novo coronavírus apenas afundou, ainda mais, o fosso das contas nacionais.
A bola de neve do déficit público incontrolável roda em velocidade acelerada perante os olhos de uma população endividada e, agora, cada vez mais ameaçada pelo desemprego onipresente. Aos poucos, as crenças de esperança evaporam no calor de desentendimentos políticos irracionais, em ostensiva afronta à sensatez que permite a compreensão e o entendimento democrático.
Aqui, na rua da vida, queremos apenas uma mudança de perspectiva. Algo que nos devolva a capacidade de sonhar e imaginar um futuro melhor. E, como a imaginação à antessala da realidade, o vazio atual apenas permite o divagar sobre um amanhã insistentemente sombrio.
Ora, diante do caos financeiro, muitos governos da federação apressaram-se lançar medidas apelidadas de “reformas tributárias”. Insiste-se na ilusão de que dinheiro público brota em árvores, sendo o bolso do contribuinte uma espécie de saco sem fundo. Aliás, já foi dito que os impostos são espécies de furtos elegantes, nos quais governos, através da sofisticação da lei, tomam a liberdade de abrir nossas carteiras para pegar boa parte do nosso dinheiro.
O incrível é que os anos passam e a espoliação continua. Com rara cara de pau, a política segue a tratar o povo como tolo. De tempos em tempos, mudam os artistas, mas os palhaços permanecem os mesmos, num circo progressivamente mais caro, ineficiente e impagável.
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A pergunta que faço é uma só: tais famigeradas reformas fiscais vão resolver nossos problemas?
Então, se não vai resolver, é melhor deixar tudo exatamente como está, pois, pelo menos assim, existe uma maior previsibilidade do rojão fiscal, sem o risco de mais surpresas negativas pelo caminho. Sem cortinas, toda mudança na legislação tributária traz consigo um período de insegurança jurídica que gera litígios e discussões até a a consolidação da exata interpretação normativa; em certos casos, tais debates judiciais se alongam por mais de uma década, no vácuo de uma legalidade que se pressupunha certa e determinada.
Definitivamente, à luz do espírito público superior, não é momento de criarmos ainda mais instabilidades institucionais. As zonas de incertezas, trazidas pela COVID-19, já bastam em si mesmas. As pessoas estão angustiadas e com medo do que virá. Não sabem se terão emprego, se manterão seus negócios, se conseguirão pagar a escola dos filhos ou, simplesmente, se haverá comida em suas casas.
Pois é, no Brasil real, a fome ainda arde em muitos lares, embora, para alguns, o banquete seja servido em foros privilegiados. E o mais grave é que tal desigualdade insustentável só tende a aumentar, pois a covardia e a inércia governam nossa combalida República.
Por tudo, nosso país é absolutamente complexo. E, diante das ansiedades do presente, tais complexidades se avolumam. Logo, é função dos governos serem fontes de estabilidade social, e não forças de tensionamento coletivo. Aliás, a Política (com P maiúsculo) é aquela que, nos momentos decisivos da história, consegue criar soluções inovadoras, rompendo com os padrões vencidos do passado.
Enquanto as luzes do futuro não chegam, me reservo a apontar o básico: a questão fiscal deve, sim, ser enfrentada com coragem, rigor e seriedade, habilitando-a a resolver as assimetrias do federalismo brasileiro. A reforma necessária, portanto, há de ser integral, englobando os interesses da União, estados e municípios como um todo, uno e indissociável. Isso porque problemas sistêmicos não se resolvem com reformas típicas. E só haverá cura efetiva com a medicação certa, pois paliativos apenas prorrogarão nossa dor.
Fonte: “Estado de Minas”, 20/8/2020