A União Europeia acaba de embargar as exportações de carne de frango de 20 plantas brasileiras, alegando falta de confiança nos controles oficiais.
O Brasil é o maior exportador de frango para a Europa, suprindo a grande demanda do bloco por peito, que gera quase US$ 800 milhões.
Apesar de representarem só 3% do consumo, essas exportações sempre foram uma pedra no sapato dos produtores europeus, que há décadas buscam motivos para bloqueá-las.
Até 2000 as exportações de peito desossado ocorriam numa classificação aduaneira sobre a qual incidia uma tarifa de importação de € 1.024/ton, equivalente a 75% do valor do produto na época.
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Essa tarifa proibitiva fez com que as empresas optassem por exportar peito congelado com adição de 1,2% de sal, o chamado “peito salgado”, gravado com tarifa bem menor, de 15,4% e sem a limitação de cotas. Com essa manobra, o Brasil passou a responder por 6% do consumo europeu.
A reação dos produtores europeus foi imediata: determinaram que o peito salgado deveria ser reclassificado como frango congelado in natura, ainda que o produto fosse outro. Em 2002, o Brasil recorreu à OMC (Organização Mundial do Comércio). E saiu vitorioso.
Mas, como tudo é complicado nas relações comerciais com a Europa, o bloco aplicou um velho dispositivo que permitia renegociar concessões sobre tarifas consolidadas e impor cotas tarifárias restritivas sobre o peito salgado.
Foi nesse momento, em 2007, que nasceu o problema que está afetando a rentabilidade da cadeia avícola no Brasil, que tem 130 mil avicultores e gera 3,6 milhões de empregos.
A legislação europeia de carne de aves adota critérios microbiológicos que claramente beneficiam o produto local. No frango in natura, sem adição de sal, só dois tipos mais graves de salmonela levam à recusa sumária dos produtos.
Mas no caso do frango salgado a legislação determina a recusa imediata de produtos que contenham qualquer um dos mais de 2.600 tipos de salmonela, inclusive os que não afetam a saúde humana. Lembramos que esse patógeno é virtualmente eliminado com o cozimento da carne de frango. Ou seja, trata-se de exigência incabível e desmedida que atinge apenas o produto importado.
Foi a aplicação desse sistema de dois pesos e duas medidas que resultou na suspensão das 20 unidades brasileiras. Uma barreira que não visa a proteção do consumidor local, mas a redução drástica do volume importado do Brasil, com forte impacto financeiro no país e no resto do mundo.
Basicamente a UE se aproveitou da crise de imagem que abalou o setor avícola brasileiro após as operações Carne Fraca e Trapaça para impor sanções comerciais arbitrárias sob pretexto técnico. Os lobbies europeus mais radicais querem banir o país como um todo e até retirar as carnes das negociações EU-Mercosul.
O ministro Blairo Maggi anunciou que o Brasil vai à OMC contra essa arbitrariedade, mas sabemos que o resultado final pode levar até três anos. E, mesmo assim, uma vitória no painel nem sempre leva a um resultado final exitoso. Ganhamos o contencioso do frango salgado em 2005, mas perdemos com a limitação do mercado com cotas e, depois, com a discriminação sanitária que se seguiu.
Infelizmente a cadeia de aves e suínos enfrenta crescentes dificuldades na Europa, na Rússia, na China e na Arábia Saudita. É hora de melhor organizar a articulação público-privada, com estratégia sólida, engajamento efetivo de aliados locais nos países, diálogo construtivo e firmeza na contestação.
Esta coluna foi escrita em coautoria com Marília Rangel Campos, especialista em comércio internacional
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 28/04/2018