Estamos em um supermercado em Key Biscaine, uma das áreas mais ricas dos Estados Unidos, loja com variedade de produtos internacionais, ampla oferta de orgânicos e tudo o mais ecologicamente correto, como é de se esperar nessas regiões. É outra circunstância que chama a atenção do forasteiro: nos caixas, os próprios compradores fazem toda a operação de check out.
Isso mesmo, as pessoas passam os produtos pela leitora ótica e já vão empacotando (muitos guardando em sacolas de pano); tudo checado, o comprador confere o valor na tela da caixa, passa o cartão, digita a confirmação e pronto, vai se embora carregando suas coisas. Ou seja, faz toda a operação sem qualquer contato com um funcionário humano.
O interessante é que, se o comprador quiser, pode passar em um caixa normal. Na verdade, havia ali alguns desses terminais à disposição dos clientes, com filas pequenas, mas pareceu que as pessoas preferiam, na maioria, operar o caixa elas mesmas.
Perguntei aqui e ali qual a vantagem para o consumidor. Imaginem a situação: você, comprador, faz todo o serviço que era do funcionário; claro que você não está treinado para isso, de modo que vai se embaraçar com pacotes e as maquinetas. Logo, dá mais canseira e demora mais. (E de fato, havia muita gente bem lerda.) Os locais responderam que as pessoas acabam aprendendo e se acostumando com o sistema, assim como “todo mundo” já sabe fazer as operações bancárias via internet ou caixa automático. Mesmo assim, pergunto de novo: qual a vantagem de aprender isso no supermercado? De novo, respondem que se trata de ganhar tempo. Assim como acabaram, ou estão acabando as filas nos bancos, dizem que, nos momentos de pico, a pessoa se livra das compras mais rapidamente se ela mesma der conta de toda a tarefa. E algumas contaram que preferem mesmo fazer tudo independentemente, sem qualquer contato com outros humanos.
Para a empresa, o ganho é evidente. Ela transfere boa parte do serviço para os clientes, o que, admitamos, é uma tendência universal.
Além dos supermercados, já são comuns as lojas nos EUA em que, chegando ao caixa com a mercadoria (roupas, por exemplo) que você escolheu sozinho, o funcionário (sim, ainda há um lá) faz apenas uma parte da operação, que é passar o produto na leitora ótica e empacotar.
Você passa o cartão na maquininha, responde às perguntas do visor, assina na tela e recolhe seu cartão. O funcionário, no máximo, diz ok.
Se você quiser, pode entregar o cartão ao funcionário, mas parece que eles não gostam. Comentei isso com uma funcionária e ela, parecendo bem instruída, contou que antes mesmo da crise a loja já começara a reduzir pessoal.
Um dia, comentou, desalentada, não vai ter nenhum emprego aqui, “estarão todos na China ou na Índia”.
Eis por que estamos relatando essas impressões de viagem. A questão mais importante nos Estados Unidos, hoje, tanto na economia quanto na política, é emprego. O país já teve um surto de recuperação, no final de 2009, início de 2010, mas mesmo nesse período as empresas não contrataram pessoas no ritmo necessário para repor as 8,5 milhões de vagas fechadas no auge da crise.
De lá para cá, a situação piorou: a geração de emprego no setor privado perdeu ritmo. A taxa de desemprego permanece em torno dos 10%, o que é mais do que o dobro para a economia americana em situação normal.
Uma explicação está na falta de confiança das companhias. Estas só vão voltar a contratar de verdade quando acreditarem que a recuperação é consistente.
Além disso, há essa outra dificuldade, que aparece naquelas histórias contadas aqui. De fato, diversas medidas mostram que, na primeira onda de recuperação, as companhias americanas exibiram elevada produtividade.
Ou seja, aumentaram a produção empregando menos gente.
Isso confere com o dado de investimento.
Naquele mesmo período, as empresas aplicaram em novos computadores e sistemas de informática. Portanto, além da falta de confiança das empresas, um fator conjuntural, há uma tendência de longo prazo que “economiza” empregos.
Há ressalvas. Primeira delas e a mais importante: está claro que, mesmo nas lojas automatizadas, há todo um trabalho por trás, como o de definição, instalação e operação dos softwares que comandam todo o processo.
Esse é um trabalho de maior nível — e melhores salários — que ficaria nos Estados Unidos.
Estaria, assim, acontecendo com o setor de serviços a mesma coisa que se passou na indústria. Nos aparelhos de iPhone, se lê: desenhado pela Apple na Califórnia, montado na China. As grandes companhias americanas de hoje não são mais as siderúrgicas, nem mesmo aquelas que montam computadores, mas aquelas que “operam nas nuvens”, como a Google.
O problema é a transição, complicada ainda mais neste momento pela circunstância da crise.
A questão mais importante na economia e na política dos EUA é emprego.
Fonte: Jornal “O Globo” – 09/09/10
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