Em uma democracia, o poder mais alto é do contribuinte, o cidadão, por mais humilde que seja. Esta noção é arraigada nos países realmente democráticos. Através dos impostos que paga, mantém todo governo em funcionamento. Recordo-me de fato que se passou comigo. Quando estudava engenharia na Universidade de Michigan, Estados Unidos, no intervalo entre uma aula e outra, dirigi-me à agência do correio existente no campuspara colocar carta para o Brasil. Fila. Cheguei ao balcão e apresentei a carta. “Onde está o endereço do remetente?”, perguntou-me o atendente. “No verso da carta”, mostrei-lhe, “como é costume no Brasil”. “Não serve, tem que ser na frente da carta, no canto superior esquerdo, como é costume nos Estados Unidos”, respondeu-me. “Vá fazer outra”.
Argumentei que tinha me distraído, visto ser esta a maneira de indicar o remetente no meu país e, não teria tempo de atendê-lo, pois minha próxima aula já iria começar. “Não interessa, volte e coloque o remetente no lugar certo”, respondeu-me asperamente. Já ia me retirando quando um senhor alto, de cabelos grisalhos, logo atrás de mim na fila, americano típico, disse-me: “Fique”. E, dirigindo-se ao atendente: “Mostre-me a lei que nos obriga a escrever o remetente no canto superior fronteiro, da carta”. “Não existe lei.É apenas costume nosso”, respondeu-lhe o atendente, já meio temeroso. “Se não há lei aceite a carta deste estudante”, ordenou-lhe o americano. O que o atendente imediatamente cumpriu.
Não contente, o americano mandou chamar o chefe da agência e disse: “Tire este funcionário aqui da recepção. Ele não está preparado para atender o público.” Esperei o americano afastar-se do balcão e fui agradecer-lhe a ajuda”, perguntando: “Por acaso é alguma autoridade na Universidade, professor etc?” “Não vem ao caso”, respondeu-me. Sou um contribuinte e aqui nos Estados Unidos ninguém é obrigado a fazer nada que não seja exigido por lei. Quem manda aqui é o contribuinte, dentro da lei. Quando voltei à agência, dias depois, o funcionário tinha sido substituído.
O fato deixou-me profunda impressão.
E o contribuinte brasileiro como se comporta? Dificilmente se nota no seu comportamento a noção clara de que deve exigir seus direitos, previstos em lei, de todos funcionários públicos, estejam eles no executivo, judiciário ou legislativo. Em algumas repartições públicas lê-se: “Exige-se respeito ao funcionário.” Correto. Mas, porque não colocam também: “Nesta repartição pública a autoridade é o contribuinte”.
Tudo que estamos assistindo no tratamento dado aos contribuintes brasileiros são reflexos da colonização portuguesa. Descobertos que fomos, por país já em decadência econômica, dirigido por monarquia absoluta, com centenas de nobres agregados à corte, recebendo do soberano suas tenças (pensões), sem trabalharem e, oprimindo a plebe, criou-se em alguns governantes brasileiros a mentalidade de que tudo vem de cima, do governo, e que o contribuinte, a plebe, só existe para atrapalhar.
No dia em que o Presidente da República, ministros, magistrados, legisladores, no Brasil, se convencerem que são meros funcionários públicos, pagos com o dinheiro do contribuinte, teremos dado grande passo para ver funcionando no Brasil verdadeira democracia.
Mas, por hora, fico com o grande padre Antonio Vieira em sermão pronunciado em 1655, no Maranhão: “Neste Estado há uma só vontade, um só entendimento e um só poder, que é o de quem governa”.
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