Acho que vou parar um pouco de debochar e esculachar o Congresso e os políticos. Primeiro, porque não existe alvo mais fácil, todos os odeiam; depois, todo mundo já os conhece e sabe bem quem são e do que são capazes. E ainda assim votam neles. Sim, eles são culpados pela desmoralização da representação democrática, mas não estão sozinhos, fazem parte da degradação ética que apodrece o Judiciário e o Executivo, cada um pior do que o outro. É inútil detonar só os políticos. E pode ser perigoso.
Para o cientista político espanhol Manuel Castells, “não é mais o embate entre direita e esquerda, e sim de partidos democráticos (ainda que corruptos) contra uma coalizão neoautoritária de interesses extremistas internacionais.”
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Como discordar dele? O que é pior no poder: partidos corruptos ou extremistas neoautoritários? Não há mocinhos nem bandidos, tanto partidos como extremistas podem ser de esquerda ou de direita. De Trump a Bolsonaro, da Hungria à Venezuela, os que foram traídos pelos seus representantes e governos, os que testemunharam a desmoralização das instituições pela ação de seus próprios membros, pela corrupção dos partidos e dos políticos, formaram um grande coro dos descontentes, que não acreditam mais na democracia representativa. E estão dispostos a embarcar em qualquer aventura sem avaliar o preço que pode custar.
O que fazer?, perguntaria Lênin.
É possível, embora improvável, que, para evitar a extinção, um ou outro partido político possa ser saneado, que seus fins não justifiquem seus meios, que aprenda a viver numa democracia em que a vontade da maioria tem que se harmonizar com os direitos das minorias, e todos são iguais perante a lei, o resto é detalhe. Todo poder hegemônico é abominável.
Quanto aos extremistas neoautoritários, não há esperanças nem argumentos. São pessoas que perderam uma fé, e encontraram outra, ainda mais fanática e irracional. Não há ditadura boa, quem já viveu em uma, de direita ou de esquerda, não esquece jamais.
Fonte: “O Globo”, 10/08/2018