A mídia tem noticiado movimentações, no Executivo e no Legislativo, para prorrogar o auxílio emergencial por mais uns meses. Não sei mais se esta seria a segunda ou terceira prorrogação. Não importa. O fato é que o presidente está contente com a sua popularidade nas pesquisas e quer manter o negócio até onde der. Já o Congresso, provavelmente, não quer ficar com o ônus político de acabar com a festa. Só para lembrar: cada mês do “coronavoucher” custa aos cofres públicos $50 bi.
Antes de continuar, um (grande, porém necessário) parêntese. Quem me acompanha sabe que fui um cético do confinamento forçado desde a primeira hora, pelo menos para a população saudável, jovem e de meia-idade. Minha tendência inicial ao ceticismo foi motivada tanto pelo comportamento dos “falcões do confinamento” (ou “distanciamento social”, como eles chamam eufemisticamente) quanto pelos dados e estatísticas catastrofistas que amparavam aquelas decisões.
Ao observar o desenrolar das coisas, estou cada vez mais convencido de que esse vírus seguirá seu curso até que grandes setores da população tenham adquirido imunidade, como parece ser o caso da “cidade Maravilhosa” (se este percentual é de 50, 40, 30 ou 20%, ainda não se sabe). Evitar que pessoas saudáveis e naturalmente resistentes adquiram o vírus, por outro lado, pode resultar em casos como o do Peru.
Confinamentos de gente saudável, embora possam ter efeitos salutares (pontuais e temporários) na prevenção da sobrecarga de hospitais, acabam atrasando o inevitável. “Achatar a curva” era um argumento que fazia algum sentido, mas o que os nossos governantes fizeram, durante quase cinco meses, achando que fariam o vírus sumir se as pessoas ficassem trancadas em casa, não faz sentido nenhum – principalmente numa sociedade pobre e carente como a nossa, onde boa parte das pessoas não tem condições físicas ou econômicas de ficar em casa.
Sempre defendi que seria perfeitamente razoável equilibrar os custos de tais intervenções com seus eventuais benefícios. Uma abordagem mais liberal e menos drástica, com testagem em massa, quarentena compulsória de infectados, além de mais poder de decisão aos cidadãos saudáveis sobre suas vidas, poderia render resultados melhores; mas lembro-me claramente de como a ideia de um caminho do meio marcou as pessoas que o defendiam como sacrílegas, negacionistas, fascistas e até genocidas.
Para os agentes públicos, o confinamento, além de marcar sua autoridade irrestrita, era algo mais simples do que testagem maciça e rastreamento de contatos, afinal, nossos burocratas nunca gostaram muito de trabalho árduo…
O exagero retórico e a escassez de argumentos é uma das características do debate político moderno – e não apenas em Pindorama. Muitos, particularmente na esquerda, diziam que era imoral até mesmo considerar os efeitos das intervenções ditas sanitárias na economia. Sempre achei tal postura bastante irônica, porque os piores efeitos, com toda certeza, atingiriam principalmente as classes de baixa renda – afinal, são delas os empregos para os quais é preciso estar presente e eram elas que tinham menos economias para enfrentar a tempestade. Em outras palavras, “Fique em casa” e “trabalhe remotamente” foram das ordens governamentais mais autoritárias e elitistas que já vi na vida. Nem vou perder tempo aqui falando da negligência com a educação das crianças, colocada no final da fila de prioridades.
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Mesmo assim, governos e mídia, orgulhosamente, aconselhavam exatamente isso, através de especialistas e jornalistas com “empregos portáteis” que criticavam furiosamente (quando não tachavam de criminosos) quaisquer profissionais ou empresas “não essenciais” que quisessem exercer seu trabalho. Não por acaso, a frase que mais ouvi nestes últimos meses foi: “como você pode ser tão insensível, a ponto de sugerir que empregos são mais importantes do que vidas?”
Voltando à vaca fria: os liberais frequentemente destacam que os governos tendem a criar problemas com suas ações, decisões e soluções. Então, quando o caldo entorna, barganham mais poder e dinheiro para consertar o problema que eles mesmos criaram. Não posso imaginar exemplo melhor desse efeito circular (espiral) do que o “coronavoucher”.
Hoje parece claro que a calibragem do “benefício” foi um tanto exagerada. As estatísticas estão mostrando inclusive uma queda acentuada nos níveis de pobreza e desigualdade depois do “voucher” (o que seria um efeito meritório, caso não fosse temporário e não trouxesse junto custos futuros enormes). Sem falar do grande número de fraudes. O problema é que, mais dia, menos dia, o “almoço grátis” precisará ser abolido ou reduzido de forma drástica.
Em artigo recente, Affonso Celso Pastore falou a respeito, lembrando o “efeito Thaler”.
“Uma das contribuições de Richard Thaler, o ganhador do Nobel de Economia em 2017, foi revelar que as pessoas são muito mais afetadas por perdas inesperadas do que por ganhos inesperados. Se ele estiver certo, e não tenho dúvidas de que esteja, quando a ajuda emergencial terminar, a frustração da perda por parte dos beneficiados será maior do que a satisfação decorrente do ganho inesperado, provocando uma queda da popularidade de Bolsonaro que, por sua vez, sentirá um custo dessa perda bem maior do que o benefício do ganho, que já terá ido embora.
Para livrar-se do “efeito Thaler”, sustentando sua popularidade junto aos menos favorecidos, precisa de algo próximo à extensão da ajuda emergencial, que seria o “cavalo de Troia” usado para derrotar os argumentos em defesa do teto de gastos. Na sequência viria o que para ele é mais importante: a aprovação de um programa de investimentos em infraestrutura com recursos do governo federal, também fora do teto de gastos.”
Sabem o que isso significa, né? Provavelmente, num futuro próximo, estaremos novamente discutindo a razoabilidade do teto de gastos, da responsabilidade fiscal e do controle da dívida pública. Como sempre, restará um passivo enorme a ser liquidado pelas próximas gerações.
Porém, como sempre se diz, tudo pelo social e para mitigar os efeitos do vírus, claro…
Fonte: “Instituto Liberal”, 19/8/2020