O modelo democrático brasileiro está em vias de exaustão. Isso não significa que a democracia nacional está em risco; apenas se está a dizer que a primeira fase da redemocratização chegou a seu limite, exigindo um movimento de transposição. Com a retomada constitucional de 1988, tivemos três eventos políticos marcantes: a) o impeachment de Collor, b) o sucesso do Plano Real e c) a eleição de Lula.
Essa trinca de acontecimentos selou em definitivo e de forma irreversível o estabelecimento da democracia de forma institucionalizada no Brasil. No entanto, é preciso seguir adiante; mais do que instituições formais, precisamos da eficácia de políticas materiais efetivas.
O quadro político nacional, após a dicotomia forçada de MDB-Arena, tem, agora, uma nova expressão de bipartidarismo, encabeçada por PSDB e PT. Sem cortinas, as semelhanças partidárias são muito mais evidentes do que as diferenças. Afinal, ambos os partidos pregam uma social-democracia de instrumental semelhante; é claro que existem diferenças pontuais: uma é mais estatizante, enquanto a outra mais liberal. No quesito do aparelhamento do Estado, um é mais ganancioso e o outro, um pouco mais comedido.
Nesse contexto de permanência desgarrada no poder, o PMDB abandonou os velhos estandartes de oposição e se transformou em uma massa amorfa de fisiologismo desbragado. O PDT definha, ressentindo-se da falta de Brizola e da ausência de um plano de sucessão de liderança. O caso Demóstenes parece ser o enterro do DEM. PV e PSol estão em formação, enquanto existem partidos outros, tais como o PP, de alta representatividade regional, mas sem maior expressão no plano nacional.
A nova peça do tabuleiro parece ser a política cerebral de Kassab. Todavia, embora altamente eficaz no aspecto da engenharia partidária, o incipiente líder paulista pecou por apresentar um discurso apático e sem coesão; disse não ser de esquerda nem direita; resta saber o que é então, pois, na ânsia de querer ser tudo, corre o risco de virar um nada. Esse tipo de pronunciamento genérico pode ser útil na formação de aliados e coligações, mas a liderança política de envergadura pressupõe a assunção de bandeiras claras e a exposição firme de ideias que, como dizia o bom e velho Silveira Martins, não são metais que se fundem.
Após mais de 20 anos de vida democrática, podemos dizer que o Brasil consolidou instituições nacionais que, bem ou mal, funcionam. No entanto, no aspecto político, ainda nos falta muita coisa; principalmente, ainda carecemos de partidos fortes e representativos. O que temos aí são meros ajuntamentos pessoais de muito interesse individual e de pouca visão coletiva. Não é um projeto de nação; apenas ambições egocêntricas. Aqui reside o nó da democracia brasileira: temos muitas legendas, mas nos faltam autênticos partidos. E sem a fortaleza dos partidos, a política fica à mercê de grupelhos de ocasião, cujo foco é a satisfação do próprio umbigo.
Com essa estrutura partidária confusa e desencontrada, é ilusão aguardar dias melhores. A dignidade política de uma nação é diretamente proporcional à estatura cívica dos partidos. Por assim o ser, não há política alta com partidos baixos. E a baixeza é audaz e numerosa; recentemente, foi anunciada a criação do trigésimo partido nacional. Será, no entanto, que temos 30 políticos dignos? Eu, sinceramente, não sei, mas confesso que queria saber. Por certo, algum douto estará atento e saberá responder.
Dizem por aí, inclusive, que conhecido empresário de codinome Cachoeira queria “comprar” um partido; não fechou o “negócio” porque não acertou o “preço” com o vendedor… Em breve, não é de duvidar que teremos uma nova profissão no Brasil: o corretor partidário. Resta definir qual será o valor da comissão de intermediação. Aliás, será que partido honesto valerá mais que partido corrupto? Ou será que honestidade virou artigo de museu a ser paga com mil réis?
Fonte: Correio Braziliense, 16/06/2012
No Comment! Be the first one.