Faz alguns dias, comentei impressionante notícia apurada pela Zero Hora acerca da invasão do crack a partir do setor escolar e de seus arrasadores efeitos nessa área; agora, deparo matéria semelhante em importante jornal paulista; mutatis mutandis, ambos cuidam do mesmo assunto e se completam.
Tendo estudado em colégio salesiano, na cidade de Bagé-RS, era natural que tivesse notícia do bom nome que desfrutava de longa data o Liceu Coração de Jesus, de São Paulo, também salesiano. Pois, o que vim a saber por inacreditável que para mim pudesse ser, é que hoje o mais que centenário colégio, fundado ainda ao tempo de Dom Bosco, vem sofrendo a ação demolidora de um mal até há pouco inexistente. Não é por acaso que o chão em que ele se ergue é denominado “cracolândia” e tenho a impressão que mais não preciso dizer. Em resumo, o colégio chegou a contar com 3 mil alunos, hoje reduzidos a 288. Os pais evitam o educandário famoso, dada a vizinhança maldita. Rendo-me ao império dos fatos reproduzindo o relato da Folha de S. Paulo:
“Fundado em 1885 por São João Dom Bosco, com o auxílio da princesa Isabel, o Liceu Coração de Jesus, onde estudaram personagens como Monteiro Lobato, Grande Otelo e Toquinho, definha em meio à cracolândia, área degradada do centro de São Paulo que abriga centenas de usuários de crack. A presença constante dos “noias” no entorno do Liceu espanta alunos novos e, há pelo menos oito anos, tem motivado transferências de estudantes. O problema é tão grave, que o colégio, que ocupa uma área de 17 mil metros quadrados, tem hoje só 288 alunos – há 30 anos eram 3 mil. A partir do ano que vem, a situação vai piorar, pois o colégio encerrará as atividades do Ensino Médio matutino.
Em 2008, foi fechado o fundamental vespertino. Há três anos, os cursos superiores e, há oito, não existe mais aquele que foi o primeiro curso de Ensino Médio noturno da cidade. O panorama da escola é desolador. A grande quadra central está quase sempre vazia. Não se ouve mais a algazarra das crianças – o lugar parece mais um retiro… O Liceu, tombado pelo patrimônio histórico, acompanhou as mudanças da cidade… atendia os filhos dos imigrantes italianos e dos negros libertos, que estudavam gratuitamente nas oficinas de sapataria e alfaiataria. Mais tarde, serviu como internato para filhos de fazendeiros do café. Depois teve cursos universitários e técnicos”. No Liceu também estudou Carvalho Pinto.
Desnecessário prosseguir na descrição do que o Liceu foi e a que está reduzido e, principalmente, por que foi reduzido à situação atual. Igualmente me parece ocioso demorar no arrolamento do que restou. O que me parece espantoso é que essa catástrofe não sucedeu nos confins do Brasil, que tem os mais variados níveis econômicos e sociais, mas em zona central da capital de São Paulo. Dir-se-á que sempre houve o vício e viciados, e os dados arrolados são mais ou menos conhecidos. O específico do contemporâneo é que agora a droga veio dar dimensão industrial ao vício e aos viciados, zomba da sociedade, dos jovens, estudantes, professores, autoridades de alta hierarquia, da liberdade e da vida das pessoas. É uma ilha dentro do Estado. Tem moral, leis, polícia e até justiça próprias. Nisso pode ser resumido o flagelo.
Antes que me esqueça, se são exatas as informações que possuo, o crack mata mais e em menos tempo que outras drogas. E isto descobre outro aspecto do problema.
(Zero Hora – 02/11/2009)
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