O Brasil vive um momento singular, que exige do crédito a blindagem da economia da volatilidade externa e sua atuação como um propulsor do crescimento. Todavia, o que está acontecendo é um deboche com todos que levam a sério a questão da intermediação financeira e do país. Até as palavras e os números usados distraem e o que é pior, minimizam a gravidade do que está acontecendo. É hora de mudar.
O nome do debate é “spread”; usa-se o termo em inglês apesar que em português existe um, “margem”, que é o que aparece em todos os livros de contabilidade e finanças. Os números mais usados para o crédito por bancos, imprensa e governo referem-se ao custo mensal, todavia, todas as outras taxas e margens no Brasil e no mundo são expressados em variações anuais, minimizando o problema daqui.
As estatísticas divulgadas mostram uma falta de consistência. A Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), uma instituição séria que existe desde 1968, divulgou que a taxa média anual no mês de abril para pessoa física foi de 106,9%, enquanto que o Banco Central publicou 42,1%; e, para pessoa jurídica, os números foram 53,4% e 26,3%, respectivamente. São diferenças expressivas que mantêm a discrepância há mais de uma década. O que é mais grave: nada é feito para que convirjam.
Os anúncios das reduções de juros são chistosas; o “a partir de” lembra liquidações de lojas em que poucos preços estão no valor anunciado e os demais continuam custando o mesmo que antes. Ilustrando o ponto, nesta semana, a taxa do cheque especial dos dez maiores bancos mínima é de 1/5 da máxima, e a média é 9/10 da máxima. Há taxas médias de bancos superando os 200% ao ano e de cartão o dobro desse valor.
Os pequenos tomadores têm menos financiamentos. As estatísticas divulgadas pelo Banco Central (BC) de saldos por faixas de valor não foram atualizados desde a nota à imprensa de fevereiro último, quando mostrou que o estoque de dívidas com valores abaixo de R$ 5 mil caiu em dezembro e, em termos reais, encolheu em 2011. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) corrobora o fato, no último boletim aponta números alarmantes: 92,9% das famílias não planeja tomar crédito e 31,6% delas têm contas atrasadas.
Mesmo com o desemprego em queda, a pressão do governo em aumentar a oferta e os mutirões para renegociação de dívidas, a inadimplência para PF, que já é mais que o dobro da média mundial, aumentou em abril de acordo com o Banco Central. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que 14,1% das famílias estão superendividadas. É mais um sintoma que deveria alarmar.
O crédito no Brasil é volátil, volumes e taxas oscilam demais. É mais usado para fazer caixa do que investir, só 6,1% dos recursos livres para empresas são para aquisição de bens e crédito imobiliário. Sua composição não está melhorando, no último mês, o cheque especial cresceu mais de três vezes que a média de expansão da pessoa física. A lista de distorções é extensa e preocupa, mas insiste-se em fazer o jogo do contente e em soluções que comprovadamente não dão certo.
Foi noticiada a possibilidade de aportes de capital do Tesouro a bancos públicos e que a Empresa Gestora de Ativos (Emgea), uma estatal que tem R$ 11 bilhões em prejuízos acumulados, compraria créditos da Caixa, deixando a dúvida se vai gerar resultados positivos ou negativos com mais operações na carteira. As duas soluções podem fazer que recursos do contribuinte que deveriam ir para educação e saúde sejam destinados a pagar por financiamentos mal concedidos.
A pressão nas instituições financeiras para baixar as taxas vai continuar a mostrar resultados pífios. Os bancos no Brasil estão entre os mais caros do mundo em dois sentidos, são os que cobram mais, mas também são os que pagam mais, sua estrutura de custos inviabiliza reduções, basta analisar suas demonstrações financeiras. Sua margem líquida (lucro/receitas) é da ordem de 10%; portanto, diminuir juros e serviços mais do que isso é colocar em risco sua solvência e a poupança do público.
O sistema bancário brasileiro tem qualidades de destaque, é sofisticado, sólido, rentável e com uma abrangência nacional. O crédito atende bem a determinados segmentos, mas tem falhas graves em outros, mencionadas acima, que urge corrigir. Os culpados por essa situação são os bancos, por décadas de complacência com a situação e preocupados com a “imagem”, modernizaram suas instituições, mas não fizeram o mesmo com o sistema. Têm cúmplices tão responsáveis quanto, o governo, por não reformar, e os ismos – consumismo, imediatismo, populismo e anacronismo.
Os juros podem ser baixados, sim. É viável uma intermediação que preserve suas virtudes atuais e ofereça um crédito saudável que estimule o investimento, amorteça o ciclo de consumo das famílias e empresas, facilite a inclusão econômica, aumente a formalização, fomente o empreendedorismo e legitime a intermediação financeira.
Demanda uma nova engenharia para o sistema em transparência, regras de precificação, relacionamentos banco cliente, indexação, custos de observância, consistência intertemporal, eficiência, tributação e arcabouço prudencial, citando alguns itens. É uma tarefa complexa, que exige manter suas qualidades, sua rentabilidade e sua solidez e agregar as que estão faltando.
Urge mudar o paradigma para uma oferta de crédito saudável, bem como avançar em outras frentes como na bancarização inclusiva, na eliminação do papel, no uso mais intenso do celular nas transações bancárias, na internacionalização do real e em fazer de São Paulo o centro financeiro continental.
A história é rica em exemplos de como a intermediação financeira ajudou em alguns casos e atrasou em outros o crescimento de países. É hora de mudar, de fazer acontecer.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/05/2012
o que vc quer dizer? que se deva continuar a aceitar uma economia movida a consumo? ou que se deva eliminar por decreto uma transferência de capital que acumula cada vez mais o status quo de alguns? que devemos poupar para o futuro? se queremos baixar os juros, é só deixar de pedir empréstimos… duvido: a economia colapsaria no outro dia.
A queda dos juros é salutar para a economia. Atende a indústria, ao comercio e ao consumo. Porém, não se pode esquecer que a poupança interna exerce papel da maior relevância para o país. Ela deve ser preservada, estimulada e, sobretudo, remunerada. Visando o declínio da taxa de juros o governo alterou as regras de remuneração da caderneta poupança para viabilizar a queda da taxa Selic. Evitou a migração de investidores para o setor alegando que precisava evitar distorções. Mas, não se preocupou com a poupança interna. Os fundos de investimentos passaram a não remunerar o capital investido adequadamente. Penso que o governo deveria reduzir a alíquota do imposto de renda que penaliza o rendimento dos fundos que hoje está nos percentuais de 25% para os dois primeiros anos e de 15% daí em diante. A rentabilidade deles começa a ser menor do que a da caderneta de poupança. Sobre ela não incide o imposto de renda. Privilegiar um setor em prejuízo de outro não parece ser nada inteligente.