Na coluna de 3 de maio analisei a Medida Provisória 868/2018, conhecida como MP do Saneamento, que promove uma reforma do saneamento básico no país. O relatório do Senador Tasso Jereissati sobre a MP foi aprovado na Comissão Mista no dia 7 de maio, resultando no Projeto de Lei de Conversão (PLV) 8/2019.
O principal objetivo do PLV é a universalização do saneamento básico no país. Segundo dados do IBGE divulgados semana passada, 72,4 milhões de brasileiros não têm acesso a redes de esgoto. Um terço dos domicílios (33,7%) não tem escoamento de esgoto por rede nem por fossa, um percentual que permanece estável desde 2016. Na Região Norte, a proporção de domicílios sem acesso a redes de esgoto atinge 78,2%, sendo também bastante elevada no Nordeste (55,4%).
O ponto do PLV que gerou maior controvérsia diz respeito aos chamados contratos de programa, que consistem em contratos firmados sem licitação entre municípios e empresas estaduais. Esses contratos em geral não têm metas nem indicadores, e são renovados sem qualquer evidência de sucesso.
Leia mais de Fernando Veloso
A MP da Liberdade Econômica
A reforma do saneamento básico
Diante dos péssimos resultados alcançados, o PLV veda a possibilidade de que sejam firmados novos contratos de programa, ou renovados os existentes, e determina que a prestação de serviços de saneamento por entidade que não integre a administração do município seja feita em regime de concessão, mediante processo licitatório.
O objetivo desta mudança é atrair o setor privado e criar incentivos para a melhoria de gestão das empresas públicas. Setores que foram abertos à iniciativa privada, como energia elétrica e telecomunicações, praticamente atingiram a universalização. Já o modelo atual de contratos de programa no saneamento inviabiliza o atingimento das metas de universalização, e permite que serviços de baixa qualidade sejam ofertados em condições de monopólio.
Um argumento frequentemente levantado é que, se houver licitação, o setor privado ficará com os municípios mais rentáveis, enquanto os municípios menores ou de menor renda não serão atendidos. Para evitar essa situação, o PLV atribui competência aos estados para estabelecer blocos regionalizados de prestação de serviços, que podem combinar municípios mais rentáveis com menos rentáveis, de maneira similar à adotada em leilões recentes de aeroportos.
Como comentei neste espaço, a oposição mais forte ao PLV veio da aliança entre aqueles que não desejam a participação da iniciativa privada por razões ideológicas com os que não querem mudar o status quo para preservar cargos em empresas públicas.
O lobby das empresas estaduais foi particularmente forte junto aos governadores. De fato, no dia 12 de maio, 24 governadores divulgaram uma carta contrária ao PLV. Desde então, a resistência diminuiu, com manifestações favoráveis de governadores do Sul e Sudeste.
Esta semana foi proposta uma emenda ao PLV, que permitiria que contratos de programa vigentes tivessem seus prazos prorrogados, por uma única vez, desde que fossem adotadas parcerias com a iniciativa privada, cujo modelo deveria ser submetido à aprovação do órgão regulador. No entanto, apesar dos avanços na negociação, não houve acordo para votação.
O presidente da Câmara, Deputado Rodrigo Maia, já anunciou que pretende colocar em votação em regime de urgência um projeto de lei sobre o tema. Dois projetos já foram apresentados, com implicações muito diferentes.
O PL 3189/2019, de autoria do Deputado Fernando Monteiro, embora afirme em sua Justificação que se baseou no relatório do Senador Tasso Jereissati, na verdade elimina sua principal mudança, que foi a proibição de novos contratos de programa ou de renovação dos existentes.
+ Samuel Pessôa: O Pibinho e o conflito distributivo
Isso fica claro no parágrafo único de seu artigo 13, que estabelece que “Poderão ser firmados novos Contratos de Programa, ou renovados os existentes, nos termos da lei, mediante contrapartida a ser definida pelo ente federativo responsável pelo serviço.” Esse dispositivo equivale a manter o status quo, e compromete todo o esforço de reforma do saneamento básico no país.
Já o PL 3235/2019, de autoria do Deputado Evair Vieira de Melo, restabelece os pontos fundamentais do relatório do Senador Tasso Jereissati, em especial a proibição de novos contratos de programa, e a obrigatoriedade de concessão de serviços de saneamento mediante licitação.
Embora a MP do Saneamento esteja prestes a perder sua validade, o tema entrou com força no debate público. A manutenção dos atuais indicadores de baixa cobertura é inaceitável, e está claro que o modelo baseado em monopólio de empresas estaduais precisa mudar com urgência. O debate não deve sair de pauta até que o Congresso aprove a reforma do saneamento.
Fonte: “Blog do IBRE”, 03/06/2019