Costumo dizer que a Educação brasileira é como um espadachim que deve esgrimir com os dois braços: um deles para resolver os problemas ainda não solucionados do século XX e o outro para trazer a agenda do século XXI para a escola! Dentre os problemas ainda não resolvidos está a alfabetização de nossas crianças. De acordo com os resultados do Programa de Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), de cada 100 crianças que concluem o ciclo de alfabetização, 50 delas não sabem ainda ler, escrever e contar adequadamente! O triste de tudo isso é que muitos desses estudantes são fortes candidatos a abandonar a escola, engrossando o grupo de quase 1 milhão de jovens brasileiros de 15 a 17 anos que nem estudam e nem trabalham. O futuro dessas crianças fica, assim, seriamente comprometido, tanto no campo pessoal, como social e profissional.
O Ceará mostrou ao país um caminho para enfrentar esse desafio, através do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC). Este programa inspirou o governo anterior a implementar o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). A meu ver, seu desenho foi correto e os recursos envolvidos foram significativos, mas ele não teve o impacto esperado. Falhou em, pelo menos, dois aspectos: formação dos alfabetizadores e gestão dos resultados ao longo do processo de alfabetização.
Ciente de que a alfabetização adequada de nossas crianças está longe de ser alcançada, o atual Ministério da Educação (MEC) está propondo um novo programa para enfrentar esse desafio. Para vencer a questão da formação dos alfabetizadores, que hoje se encontra tão distante do chão de escola, o MEC pretende convidar instituições do terceiro setor para participar, já que possuem larga experiência no processo de alfabetização – como é o caso do Instituto Ayrton Senna. Também pretende implementar um forte processo de gestão e monitoramento – o que, a meu ver, está absolutamente correto.
A ideia é que, em sua primeira fase, o programa seja dirigido aos municípios com maiores taxas de crianças analfabetas e, portanto, com maior vulnerabilidade social e econômica. Com base nos números levantados pelo MEC, esses municípios estão principalmente localizados nas regiões Norte e Nordeste do país.
A proposta ainda está em discussão, mas, de imediato, alguns pontos podem ser melhorados, ou mesmo inovados. Um deles seria a criação de um Programa de Bolsas de Iniciação à Docência para alunos dos cursos de Pedagogia que, eventualmente, quiserem participar deste novo programa. As redes de ensino possuem alfabetizadores de larga experiência, mas que precisam de um maior reconhecimento e valorização. Na minha visão, qualquer programa de alfabetização só será estruturante se o país começar, de fato, a colocar o alfabetizador no lugar de destaque da Educação brasileira. Afinal, a alfabetização é a pedra angular de nossa educação! É preciso que o programa aponte nessa direção.
Outra questão importante é especificar, com clareza, o volume de recursos para o programa e o processo de credenciamento das instituições do terceiro setor participantes. Também falta uma melhor comunicação sobre quais serão suas próximas fases, sinalizando quais outros municípios serão atendidos – o que deverá ser articulado junto à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Eu diria, portanto, que é uma iniciativa louvável do MEC no sentido de vencer esse enorme desafio que a alfabetização ainda representa no País, mas ainda há pontos obscuros e que precisam ser mais bem explicitados e apresentados à sociedade.
Fonte: “Isto é”, 25 de janeiro de 2016.
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