O ministro da Justiça, Sérgio Moro, enfrenta hoje o primeiro desafio político concreto no escândalo das mensagens trocadas entre ele e procuradores da Operação Lava Jato. Responderá às perguntas dos senadores da Comissão e Constituição e Justiça do Senado.
Desde que que o escândalo veio à tona, dez dias atrás, a atitude de Moro flutuou. No início, negou impropriedades, mas não a autencidade das mensagens. Seu discurso mudou no meio da semana passada, depois que vestiu a camisa do Flamengo ao lado do presidente Jair Bolsonaro.
Naquele mesmo dia, viera à tona uma nova mensagem atribuída a Moro, revelando confiança no ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). “In Fux we trust”, dizia Moro, segundo a mensagem, ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato.
Ao contrário das demais mensagens, esta não foi publicada no site The Intercept, mas revelada no programa “O É da coisa”, do jornalista Reinaldo Azevedo na rádio BandNews, pelo editor-executivo do site (até agora, o Intercept não publicou reportagem sobre o episódio).
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No dia seguinte, Moro concedeu uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo e passou a contestar veladamente a autenticidade das mensagens publicadas. “Não tenho como confirmar a veracidade”, voltou a afirmar ontem no programa do apresentador Ratinho, no SBT.
Desta vez, Moro não estará nem no programa do Ratinho, nem no jogo do Flamengo, nem na Marcha para Jesus (convidado pelo deputado e pastor Marco Feliciano, ele lamentou não poder comparecer ao evento). Estará diante dos senadores da República e terá a oportunidade de esclarecer enfim o que sabe o que lhe é atribuído nas mensagens.
As dúvidas que ainda persistem são simples e não deveriam deixar margem a tergiversação. Primeira: as mensagens são autênticas? Segunda: vieram mesmo da invasão ilegal do programa Telegram no celular de um procurador? Moro não terá como responder à segunda, mas tem obrigação de esclarecer a primeira.
Há uma diferença entre ele afirmar que “não tem como confirmar a autenticidade” ou que as mensagens não são autênticas. A primeira frase é uma manobra política para desacreditar a revelação. Tenta lançar uma cortina de fumaça e semear a dúvida, mas é aquilo que o diretor de redação do Washington Post Ben Bradlee chamava, no auge do caso Watergate, de “non-denial denial” – uma negativa que não nega.
Se as mensagens são falsas, se houve mesmo manipulação como os procuradores e Moro têm dado a entender, cabe exibir onde e comprovar como (ainda que ele afirme não usar o Telegram há mais de dois anos). Bastaria uma só prova de falsidade para pôr em xeque o lote em poder do Intercept. Até agora, ela não veio.
Na falta, a pressão sobre Moro persistirá diante do conteúdo que veio à tona. Mesmo que juridicamente as mensagens não tenham valor e que a maioria das conversas trate de assuntos corriqueiros, é preciso muita benevolência para não ver nelas nada de criticável. No mínimo, põem em questão a imparcialidade que Moro sempre proclamou na Lava Jato.
O assunto voltará à tona na terça-feira que vem, quando deverá ser retomado, no STF, o julgamento de um pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alegando parcialidade de Moro. Dos ministros cujo voto ainda está em aberto, a dúvida paira sobre Celso de Mello. Se ele decidir acatar o pedido, Lula poderá ser solto.
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São inegáveis os méritos de Moro – entre os quais levar à cadeia, pela primeira vez na história brasileira, tanto empresários corruptores quanto políticos corruptos. É inegável também a responsabilidade penal de Lula, condenado com base em provas referendadas por outros nove juízes, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A confusão em torno da possibilidade de libertação de Lula não deve ofuscar o principal: o risco que paira sobre todos os demais processos da Lava Jato, caso o STF aceite o argumento da parcialidade. Moro tem muitas explicações a dar, mas o país não pode recuar dos avanços no combate à corrupção.
Se está mesmo em curso uma campanha para salvar os corruptos, Moro tem hoje a oportunidade de desacreditá-la. Precisa, porém, deixar de lado a ambiguidade das negativas que não negam e examinar, no mérito, cada conversa e situação que lhe é atribuída. Afirmar – sim ou não – se é verdadeira ou falsa. Se verdadeira, oferecer sua versão para o contexto e explicar por que não compromete sua imparcialidade. Não é tão difícil assim.
Fonte: “G1”, 19/06/2019