A boa notícia do terceiro trimestre foi a contribuição do comércio exterior para a formação do produto interno bruto (PIB), como observou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A exportação de bens e serviços cresceu 1,8%, enquanto a importação diminuiu 0,4%. Isso impediu um resultado pior que o crescimento zero do PIB. Não se pode menosprezar esse dado, mas o Brasil continuou – e ainda continua – dependendo principalmente dos produtos básicos e do mercado chinês para faturar dólares. A balança comercial não é um problema isolado. Seus números mostram os pontos fracos e fortes da economia nacional e esses dados não são apenas conjunturais. O governo deve examiná-los com mais atenção se quiser garantir algo mais que uma boa reativação do mercado interno em 2012. Os desafios mais sérios estão no longo prazo, embora a grande promessa do governo, neste momento, seja um crescimento entre 4% e 5% em 2012.
Os números do comércio são uma boa janela para se observar a economia brasileira. De janeiro a setembro, o volume total exportado foi apenas 3,8% maior que o de um ano antes, mas o preço médio ficou 26,2% acima do recebido em igual período de 2010. Houve aumento de cotações e de volume em todos os grandes grupos de produtos, mas os maiores ganhos de preço ocorreram nas commodities – 38,1% para os básicos e 22,8% para os semimanufaturados. Mesmo com valorização dos produtos, o conjunto da indústria continuou no vermelho. Medidas protecionistas podem ter impedido um resultado pior, mas não eliminaram os problemas fundamentais.
O padrão do intercâmbio tem-se mantido pelo menos em parte. O superávit comercial, US$ 26 bilhões em 11 meses, continua garantido pelas exportações de commodities. De janeiro a novembro, os embarques de produtos básicos proporcionaram 47,9% da receita comercial. Juntando os semimanufaturados – itens como açúcar em bruto, celulose, ferro fundido e alumínio em bruto – chega-se a 61,1%.
Tem havido algumas novidades interessantes nos últimos meses. O valor total exportado voltou a crescer mais que o importado – 28,7% ante 24,6% em 11 meses – e, além disso, a receita das commodities voltou a depender mais da quantidade que do preço. Na comparação dos números de novembro com os de um ano antes, o aumento dos volumes de soja e derivados, celulose, alumínio, carnes de boi e de frango, minério de ferro, óleos combustíveis, etanol e algodão foi bem maior que o dos preços. Isso pode indicar alguma alteração no mercado, mas a externa ainda vigorosa, graças à China e a outros emergentes. Mas é arriscado depender desse fator. Falta saber como ficarão esses números se a economia chinesa perder impulso e se a reativação da demanda interna pressionar de novo as importações.
Segundo o ministro da Fazenda, o governo brasileiro tem controle da situação e isso o diferencia dos governos de várias economias em crise. As autoridades brasileiras podem, argumentou o ministro, reverter as medidas de contenção fiscal e de crédito adotadas neste ano e, assim, reativar os negócios. Isso é verdadeiro apenas em parte.
Brasília não tem controle sobre as decisões econômicas de Pequim, nem sobre as cotações das commodities. Também não pode evitar um novo aumento das importações se a demanda interna voltar a crescer, ou se uma onda de capitais estrangeiros valorizar o real. Nenhuma dessas possibilidades é remota. Além disso, a expansão das importações foi um dos principais freios da inflação nos últimos anos, quando os componentes da demanda interna – consumo privado, investimento privado e gastos do governo – cresceram muito mais que oferta doméstica. É otimismo, portanto, considerar liquidado o problema da inflação. Da mesma forma, é irrealismo dar como resolvido o problema da indústria com algumas medidas protecionistas e um estímulo fiscal passageiro, o prometido crédito de 3% do valor da exportação de manufaturados.
Em vez de se concentrar em medidas conjunturais, necessárias, mas insuficientes, o governo deveria tentar, pela primeira vez, um diagnóstico sério dos entraves à produção industrial e de suas deficiências diante dos competidores estrangeiros. A Confederação Nacional da Indústria pesquisou a participação de produtos importados no mercado nacional. Essa participação, hoje pouco superior a 20%, aumentou de forma quase contínua desde 2003. Isso não se explica só pelo câmbio e pela abertura da economia. É preciso levar em conta, ao mesmo tempo, a dificuldade crescente de competição nos mercados externos. Nenhuma das medidas empacotadas com o rótulo de “política industrial” ataca seriamente esses problemas. Sem cuidar do assunto, o governo será incapaz de promover crescimento duradouro.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 07/12/2011
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