Todas as grandes crises da economia brasileira, nos últimos cem anos, estouraram quando se perdeu o controle das contas externas. Talvez por falha de memória, a presidente Dilma Rousseff e seus ministros da área econômica vêm menosprezando os sinais de alerta no balanço de pagamentos. Há uma clara tendência à erosão do saldo comercial, causada pela estagnação do valor exportado e pelo rápido aumento das despesas com importações. As projeções mais otimistas indicam para este ano um superávit de US$ 18 bilhões na conta de mercadorias, 39,6% menor que o do ano passado. Nova redução é prevista para 2013. A médio prazo, isso pode levar a uma perigosa expansão do déficit em conta corrente (US$ 51,8 bilhões nos 12 meses terminados em junho), até agora financiado com alguma folga pelo investimento estrangeiro direto. As transações correntes são formadas por três contas: 1) balança comercial de mercadorias; 2) balança de serviços (onde se incluem turismo, fretes, assistência técnica, royalties, lucros e juros); 3) transferências unilaterais (onde aparecem, por exemplo, remessas de trabalhadores no exterior).
O Brasil é tradicionalmente superavitário no comércio de mercadorias e nas transferências unilaterais e amplamente deficitário em serviços. Um grande superávit comercial é geralmente necessário para equilibrar o conjunto ou para manter o déficit em conta corrente dentro de limites seguros. Financiado com poupança externa, um pequeno buraco nas transações correntes pode favorecer o investimento produtivo e o crescimento econômico. Mas o financiador estrangeiro tende a sumir, quando o rombo cresce muito e aumenta a necessidade de recursos de fora. O Brasil passou por essa experiência várias vezes.
Em anos recentes, o grande aumento de preços dos produtos básicos, explicável em boa parte pela demanda chinesa, garantiu ao País uma situação relativamente confortável. Mas as cotações de vários produtos são hoje menores do que em 2011 e essa tendência pode acentuar-se. Apesar de sua ampla base industrial, o Brasil é hoje muito dependente do mercado de commodities. Com a alta dos preços de matérias-primas e bens semielaborados, os termos de troca ficaram muito favoráveis ao país.
Se a relação entre os valores de exportações e de importações voltasse ao nível de 2005, o déficit brasileiro na conta corrente, em 2011, teria chegado a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nos 12 meses até junho, esse déficit ficou em 2,2%, de acordo com o Banco Central (BC).
Aquele cálculo do FMI, semelhante a alguns divulgados nos últimos dois anos, mostra como o País se acomodou numa relação semicolonial com a China – uma das consequências da política terceiro-mundista em vigor a partir de 2003. Com uma estratégia mais adulta, o Brasil teria abastecido os chineses de matérias-primas e ao mesmo tempo ampliado o comércio com os mercados do mundo rico, muito mais receptivos aos manufaturados brasileiros, como comprovam as estatísticas oficiais.
Com base nas tendências recentes, os técnicos do FMI projetaram a evolução das contas externas até 2017. As estimativas apontam um saldo comercial de US$ 9,9 bilhões para este ano e uma erosão constante nos anos seguintes, até um déficit de US$ 3 bilhões dentro de cinco anos. Nesse período, o valor exportado aumentará 32% em relação ao registrado em 2011 e chegará a US$ 338 bilhões em 2017. O valor importado crescerá 50,7% e atingirá US$ 341 bilhões. O déficit em conta corrente alcançará 3,3% do PIB.
São projeções, como sempre, sujeitas a erros importantes, até porque há muita insegurança quanto aos resultados do projeto de exploração do pré-sal. Os autores do relatório chamam a atenção para os fatores de incerteza. Mas enfatizam, também, os riscos embutidos na política em vigor, muito mais voltada para o estímulo ao consumo do que para a formação de poupança interna, para o investimento e para o ganho de eficiência. A análise das perspectivas de médio prazo é a parte mais importante do relatório do FMI divulgado na semana passada. Os detalhes sobre as contas externas foram a parte menos explorada nos meios de comunicação.
O governo insiste, no entanto, em manter a estratégia seguida até agora, como se os principais obstáculos ao crescimento brasileiro fossem conjunturais. Não são. O pessoal do FMI sabe disso e projeta, para os próximos cinco anos, um crescimento médio de apenas 4,1%. Para romper esse limite será preciso aumentar o potencial de crescimento, muito menor que o de outros Brics e de muitos países menos industrializados. No Brasil, o investimento público permanece em torno de 2,5% do PIB, menos de metade do observado nos demais emergentes. Um exame da qualidade desse investimento mostraria um quadro ainda mais feio. Também isso o governo prefere deixar para lá.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 25/06/2012
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