Tenha-se a opinião que quiser dos militares, um fato é certo: transmitem imagem de seriedade, a gravidade inerente àqueles que lidam com a guerra e interesses essenciais da nação. Ao chamar seis ministros militares para seu governo, o presidente Jair Bolsonaro sabia contar com esse elemento. A seriedade deles serviria de contrapeso aos rompantes ideológicos e delírios turbulentos.
Basta olhar para as declarações do vice-presidente, general Hamilton Mourão, ou do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, para perceber que há no governo gente madura, capaz de compreender toda a complexidade dos dilemas brasileiros.
Para os próprios militares, contudo, a situação é ambígua. De todas as conquistas da democracia brasileira, a mais relevante foi a profissionalização das Forças Armadas e seu afastamento da política. O envolvimento de generais, mesmo integrantes da reserva, no rame-rame cotidiano de Brasília trará a eles um custo inegável.
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Incógnitas sobre o novo governo
Tome a confusão em torno da declaração de Bolsonaro aceitando em tese uma base militar americana no Brasil. Anátema para as Forças Armadas, a ideia teve de ser desmentida com veemência.
Ou a promoção do filho de Mourão, funcionário de carreira no Banco do Brasil, a um cargo de melhor remuneração. Ou ainda a discussão sobre a inclusão da aposentadoria dos militares na proposta de reforma da Previdência que o governo deverá apresentar ao Parlamento.
Não tivessem os generais tamanha importância no (e para) o governo Bolsonaro, cada um desses episódios seria anódino. O primeiro não passaria de uma declaração desastrada; o segundo, de um assunto interno do banco; o terceiro, do lobby corriqueiro a que todo governo está habituado.
Na situação atual, se transformam em crise. Secundada pelo chanceler Ernesto Araújo e elogiada pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, a ideia da base americana gerou incômodo profundo entre os militares do governo. O próprio desmentido é sinal de desgaste.
O filho de Mourão pode ter méritos para ser promovido e pode muito bem ter sido perseguido em gestões anteriores do BB. É ridículo supor que o próprio Mourão tenha relação com a promoção. Ainda assim, ela pega mal. Parece favorecimento, algo inaceitável num governo eleito brandindo a bandeira da moral e do combate à corrupção, sob a inspiração da gravidade e seriedade militares.
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Há, enfim, a questão premente da reforma da Previdência. O ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, defendeu que os militares sejam excluídos da nova proposta, assim como outras categorias com regimes de trabalho específicos.
É um argumento que pode lá ter sua validade. Noutra situação, deveria ser avaliado por seus méritos. Num governo com tamanha presença militar, a exclusão será inevitavelmente considerada um privilégio. Ainda mais num país como o Brasil, useiro e vezeiro em criar todo tipo de brecha e exceção para favorecer grupos de interesse.
Não é nada trivial a situação dos generais no ministério. Pela natureza do cargo, têm obrigação de imiscuir-se nas discussões políticas e serão alvo natural de investigações e denúncias na imprensa. Mas não deixam de ser militares, nem de emprestar, a cada ato ou declaração, todo o peso e imagem associado às Forças Armadas.
A democracia brasileira só ganha se, quatro décadas depois do fim da ditadura, puder contar com a competência e a seriedade dos quadros militares no poder, sem se preocupar com riscos de golpe ou ruptura institucional. O governo Bolsonaro também ganha com a imagem de seriedade e gravidade trazida por eles.
Os próprios militares, contudo, começam a sacrificar pouco a pouco essa mesma imagem, a cada controvérsia a que ela se associa. Quem perde, como instituição, são as próprias Forças Armadas, atingidas pelo desgaste inevitável daqueles que trocaram a caserna pela política.
Fonte: “G1”, 09/01/2019