As últimas rodadas do Ibope e do Datafolha confirmam a vitória provável de Jair Bolsonaro no próximo dia 28 por uma diferença de quase 20 milhões de votos.
A manter-se nas urnas uma votação compatível com a registrada ns pesquisas, Bolsonaro terá perto de 63 milhões, talvez até 65 milhões de votos, a maior marca na história brasileira, superior até à votação de Donald Trump nos Estados Unidos, onde o eleitorado é bem maior.
Tais números revelam o fracasso da estratégia petista de escolhê-lo como rival no segundo turno, acreditando que a alta taxa de rejeição o levaria à derrota. A rejeição a Bolsonaro vem caindo, enquanto a rejeição a Fernando Haddad e ao PT tem subido.
Essa situação é resultado de dois fatores: 1) uma estratégia bem-sucedida na campanha de Bolsonaro; 2) as contradições da campanha de Haddad.
Bolsonaro soube aproveitar a vantagem eleitoral oferecida pelo atentado de que foi vítima. Num primeiro momento, a recuperação lhe permitiu ganhar a simpatia do público sem ser exposto ao confronto ou ao debate de ideias.
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Depois da vitória no primeiro turno, seu estado frágil ofereceu o pretexto ideal para manter recolhimento e modular suas aparições a momentos controlados de acordo com seus interesses.
A ausência dos debates, os vídeos nas redes sociais e o estilo de seu programa no horário eleitoral gratuito contribuem para que evite confrontos e mantenha uma imagem mais moderada.
Bolsonaro encarnou o antipetismo, a luta contra a corrupção, o resgate de uma ordem imaginária. Vencerá tendo mantido vagas suas propostas concretas de governo, incapaz de resolver o conflito latente entre as diferentes alas que já disputam espaço em sua futura gestão.
Haddad, em contrapartida, é incapaz de solucionar o dilema evidente da campanha petista: como lidar com o legado de 13 anos de governo do país, cujo resultado foram o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva.
A narrativa que ignora a corrupção e o fracasso da política econômica nos governos do PT e transforma o partido, Lula e Dilma em vítimas das “elites” não resiste à realidade. Expõe a maior contradição do discurso do “nós contra eles” que o PT adotou para vencer quatro eleições.
Sem contrição nem mea culpa, Haddad quer esquecer as mazelas petistas, despir-se do figurino vermelho e apresentar-se como líder de uma “frente democrática” para derrotar o risco autoritário representado por Bolsonaro.
Mas como convencer “eles”, aqueles sempre apresentados como “inimigos”, de que o PT agora pode ser aliado? Como se livrar da carga de tudo aquilo que foi dito e repisado ao longo dos últimos anos e continua explícito no programa de governo de Haddad?
Tal contradição é o preço que o PT paga por ter apostado, ao longo de décadas, na polarização como estratégia de conquista e manutenção do poder. Enquanto o “inimigo” era mais fraco, ou resistia a entrar no jogo de quem demoniza o adversário, a vitória petista era barbada.
A partir do momento em que o “inimigo” entra em campo adotando a mesma lógica de polarização, com um discurso ainda mais virulento demonizando o PT, a correlação de forças muda.
Escolher Bolsonaro como rival no segundo turno pode ter sido um lance de desespero de Lula, única saída para tentar recuperar o poder e salvar a própria pele. Insistir em ser candidato e em atacar a Operação Lava Jato funcionou para galvanizar o petista mais fiel, para mostrar que ainda havia força no “nós”.
Mas não para criar a ponte com “eles”, sempre necessária numa eleição em dois turnos. Lula não imaginava que um rival com o histórico e o discurso extremista de Bolsonaro fosse capaz de fazer isso.
Bastaram um ou dois movimentos políticos triviais, um Paulo Guedes aqui, uma aliança com evangélicos ou agronegócio ali, para isolar os tucanos e transformar Bolsonaro em porta-voz legítimo dos anseios do eleitor conservador, cuja representatividade sempre esteve aquém da realidade nos governos petistas.
Lula e o PT provam agora do mesmo veneno que destilaram. Nem um estrategista astuto como ele estava preparado para enfrentar um adversário capaz de derrotá-lo no próprio jogo.
Fonte: “G1”, 16/10/2018