Enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lê na sua cela em Curitiba – 21 livros em 57 dias, segundo publicou no Twitter –, seu partido enfrenta um dilema insólito: até que ponto insistir na candidatura Lula prejudica o potencial eleitoral do PT?
Não é uma situação trivial. Nas pesquisas em que seu nome é colocado, Lula sempre aparece em primeiro. Legalmente, contudo, ele não poderá disputar a eleição, pois a Lei da Ficha Limpa veda expllicitamente a candidatura de condenados pela segunda instância da Justiça.
A estratégia de insistir no nome de Lula até as últimas consequências faz algum sentido para manter a mobilização do eleitorado fiel ao partido, aquele que crê nas fabulações de que o impeachment foi “golpe” ou de que Lula é um “preso político”. Mas não para uma eleição em que é preciso conquistar mais de 50% do eleitorado.
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Viabilidade eleitoral exige negociação de alianças estaduais, apoios em partidos anfíbios (como o MDB ou as legendas de aluguel) e um discurso a apresentar ao eleitor numa campanha articulada. De que adianta a narrativa de que Lula é vítima para construir uma candidatura viável?
Na prática, de nada. Uma amostra foi vista no último fim de semana, nas eleições especiais convocadas para o governo do Tocantins. Foi inútil o apoio de Lula à candidatura da senadora Kátia Abreu (PDT), que amargou o quarto lugar, com 15,7% dos votos. O outro candidato apoiado pelo PT local, Carlos Amastha (PSB), ficou em terceiro, com 21,4%. O segundo turno oporá Mauro Carlesse (PHS, 30,3%) a Vicentinho Alves (PR, 22,2%).
A valer o exemplo do Tocantins, o apoio de Lula preso a um candidato pode valer bem menos do que imagina seu círculo mais próximo. Ganha força a ala petista que acredita já ter passado da hora de lançar outra candidatura, seja o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, seja o ex-governador baiano Jaques Wagner.
Enquanto o PT vacila, consolida-se o nome de Ciro Gomes (PDT) como candidato da esquerda. Pela união do polo esquerdista, outros candidatos cogitam desistir. Até agora, o PT não apresentou nome alternativo a Ciro, fora o tecnicamente inviável Lula.
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Os dois têm se limitado a trocar farpas. Embora tenha criticado o julgamento e a prisão de Lula, Ciro tem mantido uma distância profilática dele. Não participou da manifestação no dia em que ele foi preso e se recusa a discutir um eventual perdão aos crimes, caso eleito.
Para Lula, que ainda comanda o PT de dentro de sua cela, não há interesse em entregar a Ciro sua força eleitoral. Não é coincidência que ele tenha, antes de ser preso, indicado como herdeiros políticos dois jovens de potencial eleitoral desprezível: Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL). Nenhum deles traz ameaça à hegemonia petista sobre a esquerda como Ciro.
Há enorme pressão, tanto dentro quanto fora do PT, para que Lula tome uma decisão. Quanto mais cedo o partido tiver uma candidatura definida, maiores as chances de sobrepujar o crescimento de Ciro e de tentar unir a esquerda num eventual segundo turno.
Mas o interesse partidário não coincide com o interesse pessoal de Lula. Quanto mais ele adiar a decisão, mais mantém viva a mitologia que sustenta sua liderança. Ungir um sucessor – dentro ou fora do PT – equivale a abrir mão do mito.
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Também não é coincidência que até hoje, fora a declaração inócua sobre Manuela e Boulos, Lula jamais tenha feito isso. Mesmo Dilma Rousseff foi escolhida para sucedê-lo em boa parte por ser, entre todos os postulantes no partido, a mais inexpressiva, que menos o ameaçava.
O PT, vencedor das últimas quatro eleições presidenciais, caminha para a próxima diante de um desafio aparentemente insolúvel. Para sobreviver, precisa abandonar o lulismo que o trouxe até aqui e se esgotou. Não há outro candidato com a mesma viabilidade eleitoral. A transferência de voto demonstra ser limitada. Não há perspectiva de aliança com Ciro, a não ser em papel secundário. Como o PT enfrentará seu dilema?
Fonte: “G1”, 05/06/2018