Ninguém pode acusar o deputado Ibsen Pinheiro de ser um homem que desiste facilmente. Em 1993, ele foi acusado de enriquecimento ilícito por uma CPI que investigava fraudes com recursos do Orçamento da União. Seu mandato foi cassado no ano seguinte, no escandaloso episódio dos Anões do Orçamento. O Supremo Tribunal Federal encerrou o processo contra Ibsen em 1999. Agora, em nova desventura orçamentária, o deputado deflagra uma guerra federativa por causa do petróleo.
É dele a emenda de um projeto de lei que regulamenta a distribuição de royalties advindos da exploração do recurso mineral. A emenda é inconsequente, pois arruinaria as finanças dos Estados e municípios produtores. Uma “covardia”, segundo o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, ou uma “gracinha eleitoral”, segundo o presidente Lula. Trata-se de uma embalagem oportunista para o tratamento superficial de três questões importantes, que deveriam ser examinadas separadamente.
A primeira é o marco regulatório para explorar o pré-sal: como tornar tangível essa riqueza submersa? O inconveniente de mudar do atual “regime de concessão” para um eventual “regime de partilha” é a necessidade de atrair centenas de bilhões de dólares em investimentos de companhias petrolíferas, locais e estrangeiras, estatais e privadas, exatamente por meio da estabilidade do marco regulatório. Com as descobertas realizadas, a redução dos riscos de exploração do pré-sal permitiria ao governo obter preços excepcionalmente altos já nas próximas licitações, que ocorreriam sob o regime de concessão, acelerando o investimento em plataformas, sondas e equipamentos. Seria possível arrecadar impostos e royalties mais cedo, e não em futuro distante.
Mas há grupos de interesse de olho na bilionária cadeia de suprimentos da indústria petrolífera. Os piratas privados exploram a maior vulnerabilidade do governo: sua preferência pelo capitalismo de Estado. Apostam na estatização para usar sua influência política. Sob o pretexto da conexão entre jazidas, querem criar uma nova estatal sem recursos, sem experiência gerencial e sem tecnologia. Escondida debaixo da saia da Petrobras, que se preparou ao longo de toda a sua história para um desafio como esse.
Concentrar recursos na União é uma herança da ditadura. Descentralizar é a exigência democrática
A segunda questão levantada é o que fazer com o extraordinário aumento de recursos fiscais proporcionado pela nova riqueza. Constituir fundos especiais para investir em educação? Um fundo soberano para impedir o colapso da taxa de câmbio e a desindustrialização? Um formidável choque fiscal para reduzir a dívida pública e suas despesas financeiras, derrubando juros e liberando mais de R$ 100 bilhões ao ano para saúde, segurança e educação?
E, finalmente, a terceira questão do embrulho, digo, da emenda Ibsen, é a insatisfação com o atual regime de distribuição dos recursos entre as unidades da Federação. A concentração dos recursos na mão da União é uma herança maldita do regime militar, que a social-democracia não teve a coragem de reformar. A emenda Ibsen mantém em 40% a fatia da União na divisão dos royalties, provocando uma batalha entre os entes federativos pelos 60% restantes. Trata-se de um colossal retrocesso em relação ao acordo prévio acertado por Lula com os governadores Sérgio Cabral, José Serra, de São Paulo, e Paulo Hartung, do Espírito Santo, pelo qual o governo federal reduzia sua fatia à metade, permitindo aumentar a parte dos demais Estados e municípios.
Essa descentralização dos recursos públicos é uma exigência do regime democrático. Por isso mesmo, avançam no Senado as emendas Dornelles-Casagrande, com forte teor de descentralização, transferindo para Estados e municípios não produtores quase toda a parcela de royalties de exploração do pré-sal que seria destinada à União. A execução descentralizada das políticas públicas, destinando a maior parte dos recursos fiscais para Estados e municípios, é uma importante ferramenta democrática. Afinal, diria Milton Nascimento, “o dinheiro tem de ir aonde o povo está”.
No Comment! Be the first one.