É certo que os verdadeiros responsáveis pela educação dos filhos são os pais. Foge a qualquer propósito de um Governo ditar aos cidadãos, aos quais presta serviços – e nada mais que isso –, como eles devem educar sua prole. Ao Estado cabe fornecer escola gratuita – alguns preferem que se deem subsídios aos pais, para que paguem escolas privadas. Aos pais competem a escolha da escola que melhor proporcione aquilo que eles entendem como um bom ensino, como a que se localize mais próxima de seus lares, ou a que tenha os melhores professores, o prédio mais bonito, entre outras coisas.
Tudo isso parece muito simples. E deveria ser. O problema é que carecemos de um ensino de qualidade. Mesmo algumas escolas privadas brasileiras são, segundo alguns, inferiores às existentes no exterior. E, diante deste prognóstico, de vez em quando tomamos conhecimento de pais que estão sendo processados pelo Estado por não matricularem seus filhos em instituições de ensino – algo proibido no Brasil. Alegando motivos diversos, um bom número destes de viés etnocêntrico, alguns pais estão decidindo educar seus filhos em casa. Dias atrás, num telejornal, um destes indivíduos afirmou que seu filho não deveria ser obrigado a ir à escola, onde conviveria com “estranhos”.
Nota-se neste entremeio duas questões que se entrechocam. Como dito anteriormente, deve-se aos progenitores a responsabilidade na escolha do melhor meio de educar seus rebentos. Contudo, outra questão remete aos males suscitados por escolhas errôneas de alguns pais, que isolam seus filhos do convívio social ao decidirem educá-los dentro de casa.
A escola, mais que qualquer outra instituição, é um ambiente de convívio. Além das mesas e cadeiras, dos livros e cadernos, há em cada sala de aula um pequeno mundo. É ali que aprendemos um pouco do outro, com as dezenas de colegas que temos contato ao longo dos anos de estudo. Ali também conhecemos uma autoridade distinta da paterna – que até então era a única que conhecíamos -, revelada na imagem de professores, inspetores, diretores e demais funcionários da escola.
Privar crianças deste tipo de mundo é incorrer num erro quase sempre fatal. Criam-se, deste modo, sujeitos incapazes de interagir socialmente, pelo simples fato de não entenderem e não conseguirem se fazer entender pelo outro.
Pode soar forçado, mas a história do jovem Kaspar Hauser (que pode ser vista no filme “O enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog) revela um caso extremo desta forma de isolamento. Preso durante anos numa cela, alimentado a pão e água, e sem qualquer contato com outro ser de sua espécie, Kaspar Hauser, ao ser abandonado na cidade, tem sérias dificuldades para se adaptar ao convívio social e distinguir sonho de realidade. Sua história, marcada pela incapacidade de compreensão, culmina numa tragédia.
Sim, seria um exagero crer que tal caso possa acontecer com crianças que são retiradas por seus pais do convívio escolar. Mas o exagero pode estar apenas no grau de desajuste futuro do jovem na sociedade. Os isolados terão, com certeza, maiores dificuldades para enfrentar determinadas barreiras sociais do que aqueles que tiveram a oportunidade de brincar, brigar, levarem bronca, entre outras coisas próprias do convívio escolar – uma preliminar da vida fora da sala de aula.
Desse modo, a liberdade de escolher a melhor forma de fazer o que se quer – liberdade que defenderei até o fim de minha vida – leva alguns e incorrerem numa notável tolice. Temos o direito de escolher o melhor para nós e nossos filhos. Contudo, é erro acreditar que o mundo está – e estará sempre – dentro de nossa própria casa.
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