Quem ganhou e quem perdeu eleitoralmente com o desatino de domingo em torno da saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão?
O maior derrotado é, sem dúvida, Ciro Gomes. Sua candidatura passa a sofrer com mais intensidade o efeito de duas forças que ele teria inevitavelmente de driblar para chegar ao segundo turno.
A primeira é o PT. A ação coordenada entre três deputados e o misto de juiz e militante que dava plantão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) resulta da estratégia de manter viva a força eleitoral de Lula, até o momento de ele ungir o candidato oficial do partido (pois, respeitada a Lei da Ficha Limpa, não poderá concorrer).
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A candidatura Ciro depende do encolhimento do petismo na mente do eleitor. Ele receberia de bom grado o apoio de um Lula em posição de fraqueza. É uma situação que os petistas simplesmente não aceitam. Ao querer transformar a campanha eleitoral num plebiscito sobre Lula, tiram energia do avanço de Ciro.
A segunda força vem dos partidos reunidos no bloco que se convencionou chamar de Centrão, formado por DEM, PP, Solidariedade e PRB. Estava avançada a negociação do bloco com Ciro, em virtude das alianças regionais, sobretudo no Nordeste e no Rio de Janeiro. A manobra petista fez a turma parar para pensar: vale a pena aliar-se a um candidato cujo eleitor atual acabará, na hora H, votando em quem Lula mandar?
Por pura ação da gravidade, o bloco voltou a orbitar os tucanos. Geraldo Alckmin é uma opção mais inofensiva, por isso mesmo mais segura. Quando o candidato petista começar a crescer em cima do eleitor que hoje diz apoiar Ciro, o Centrão não estará atrelado a um barco que soçobra. Se for para perder, o custo da derrota é menor com Alckmin.
É apenas como efeito colateral da retração das alianças em torno de Ciro que a candidatura tucana ganha algum alento. Alckmin, para empregar a expressão que se tornou um chavão entre quem acompanha a campanha, simplesmente “não empolga o eleitor”.
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Seus desafios são antagônicos. De um lado, precisa atrair os partidos do Centrão para conquistar palanques regionais mais sólidos. De outro, precisa mesmo é do eleitor de Bolsonaro, que soube concentrar em torno de si o antipetismo mais aguerrido, reunido desde antes do impeachement de Dilma Rousseff.
Estão justamente nos dois extremos no espectro político aqueles que mais ganharam com o desvario jurídico em torno de Lula. De um lado, o próprio Bolsonaro. Terá doravante – e não sem razão – mais um elemento para alimentar sua retórica de que é preciso um governo capaz de derrubar a “corja petista” e “tudo isso que está aí”.
De outro lado, Lula mantém viva a lorota de que é um injustiçado perseguido pela Operação Lava Jato e pelo juiz Sérgio Moro. Basta Moro pôr sua assinatura num papel para os petistas enxergarem ali algum sinal da conspiração hedionda para impedir o retorno ao poder do governo “popular” (seja lá o que isso signifique…).
A lorota não estaria viva, não fosse tão eficaz como discurso de campanha. Lula condenado e preso é o ápice do “nós” contra “eles” que levou o PT à vitória nas últimas quatro eleições. Se funcionou das outras vezes, por que não funcionaria mais uma?
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Estamos, portanto, na seguinte situação: Bolsonaro mantém seu eleitor fiel mobilizado e continua a liderar as pesquisas no cenário mais provável; Lula aposta na polarização de costume para inflar seu candidato; Ciro e Alckmin tentam costurar as alianças com que vislumbram um caminho para abrir uma brecha entre os dois. E Marina Silva? Em silêncio.
As convenções partidárias até agosto permitirão avaliar se as estratégias de Ciro, Alckmin e Marina têm viabilidade, ou se estaremos mesmo diante de uma campanha polarizada entre o poste de Lula e Bolsonaro. Exatamente o que tantos temiam – e os dois queriam desde o início.
Fonte: “G1”, 11/07/2018