Inútil constatar que os atos do último dia 15, contra o governo Jair Bolsonaro, levaram mais gente às ruas que os de ontem, a favor. A sequência de manifestações reflete uma cisão que se aprofunda na sociedade brasileira. As consequências dessa cisão são mais relevantes que uma disputa inócua sobre o tamanho das multidões.
No dia seguinte aos protestos, Bolsonaro sai fortalecido, pode comemorar sua capacidade de levar gente às ruas e afasta as especulações sobre impeachment ou renúncia. No médio e no longo prazo, contudo, seu apoio às manifestações, velado ou explícito, configura o proverbial “tiro no pé”. Por três motivos, fáceis de compreender:
1) O enfrentamento nas ruas contribui para piorar a relação entre Executivo e Legislativo. O principal alvo das manifestações foi o Congresso, representado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e pelo bloco parlamentar popularmente conhecido como Centrão. Tanto o Centrão quanto Maia continuam essenciais para o governo aprovar qualquer projeto no Parlamento, em especial a reforma da Previdência. Fustigá-los em nada ajuda Bolsonaro na condução da agenda legislativa. Maia, por sinal, tem feito mais pela aprovação da Previdência que o próprio Bolsonaro.
2) Ao se voltar contra apoiadores do próprio governo, como Maia, o DEM (partido que tem mais ministérios e lidera o Centrão) ou o vice-presidente Hamilton Mourão, as ruas espelham um racha interno do bolsonarismo que tenderá a crescer. De um lado, aqueles que veem como inimigas instituições democráticas no mínimo tão legítimas quanto a Presidência: Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF). Do outro, aqueles que, mesmo apoiando as reformas de Paulo Guedes ou o pacote anticrime e anticorrupção de Sérgio Moro, entendem que só o Congresso pode aprová-las, que toda mundança precisa atravessar os trâmites institucionais e resistir às contestações no STF. Há duas visões antagônicas da política no seio do bolsonarismo. Apenas uma delas poderá prevalecer.
3) A pauta contraditória revelou, na verdade, uma fraqueza. Mesmo que, na tentativa de atrair mais público, o discurso de ruptura institucional tenha sido evitado na última hora, ele esteve subjacente nas palavras de ordem da ala autêntica que se mobilizou pelas redes sociais. Não há muita dúvida de que boa parte dos manifestantes de ontem aceitaria de bom grado um golpe no Congresso ou no STF para aumentar os poderes de Bolsonaro. Mas, se o objetivo dos articuladores dos protestos era demonstrar força para garantir apoio a medidas de exceção, o resultado foi insuficiente. Quem foi ontem às ruas representava flagrantemente uma minoria da sociedade, não muito diferente da minoria que apoiava Dilma Rousseff na época das manifestações pelo impeachment. São o núcleo duro do apoio a um presidente que, com apenas cinco meses de governo, perde popularidade em todas as pesquisas e não consegue consolidar seu poder. Suficiente para fazer barulho, mas não para garantir o êxito de qualquer aventura de tons bonapartistas.
Cada passo de Bolsonaro na direção do desprezo institucional, do caráter plebiscitário de seu governo e da relação direta com aqueles que chama de “povo” provocará a reação previsível do lado oposto. Trará necessariamente, como corolário inapelável, um acirramento na polarização da sociedade brasileira.
A polarização, como escrevi há quase quatro anos, é uma maneira excelente de conquistar o poder – e péssima de exercê-lo. Apostar nela como motor da política apenas continuará a gerar entraves à agenda de reformas de que o país precisa com urgência para voltar a crescer.
Fonte: “G1”