Você sai na rua e é assaltado à mão armada por bandidos que puxam gatilhos com prazer. Naqueles dias de sorte, quando nada de ruim acontece, você chega em casa, olha seus filhos com amor e lembra que eles não têm uma escola pública capacitada a prepará-los para o frenético mundo moderno. Com tantas preocupações, em algum momento as angústias somatizam, você acaba por ficar doente e, infelizmente, corre o sério risco de ficar ainda mais doente, pois a saúde é uma quimera no Brasil.
Sim, acabou.
O Estado brasileiro não existe mais. O que temos aí é apenas um aparato moribundo que faz de tudo para sugar um pouco mais de energia daqueles que ainda produzem algo de bom. Uma hora tudo vai parar. E vai parar porque, como está, não há como continuar.
A realidade não deixa mentir. Não temos segurança. Não temos escolas. Não temos hospitais. Não temos tranquilidade e paz para viver. A pergunta é: o que temos então?
A resposta é reta: nada.
Nada que compense pagarmos quase 40% do PIB nacional para algo que, flagrantemente, não funciona. E o pior: em alguns quadrantes sociais, estamos voltando à barbárie com presos se degolando, à luz do sol, entre guerras de facções criminosas. Ora, não podemos mais ignorar fatos que pulsam. Nossa decadência não é setorial nem localizada; a questão é mais funda, pois a falência orgânica é estrutural, atingindo de alto a baixo a sociedade brasileira. Ou seja, entre muitas vítimas e inocentes, os donos do poder acabaram por matar o Estado.
Agora vamos ter que velar este corpo em decomposição. Haverá choros, gritos e encandecidos discursos de saudade. Não vai ser fácil. As pessoas e as pesadas corporações que viviam e se beneficiavam dessa estrutura estatal assistemática não vão querer abrir mão do passado, fecharão os olhos para o presente e farão de tudo para implodir o futuro. Às vezes, só nos damos conta que estamos nos afogando quando o coração deixa de bater; noutras, simplesmente morremos sem entender o que vivemos. Aqui, das duas, uma; não haverá terceira opção.
No entanto, a morte do Estado não será o fim. O poder e suas relações sempre vão existir. Na verdade, o Estado foi apenas uma ficção criada para tentarmos resolver civilizadamente as questões do próprio poder. Por exemplo, quando a lei falha, a força impera. Não é à toa, portanto, que, no Brasil, a ilegalidade seja a principal arma de enriquecimento dos poderosos; a corrupção, aliás, só cresce em terras sem lei. Logo, Brasília, definitivamente, não é seca por mero acaso.
Basta olharmos a História para compreendermos que a justiça é relativa, mas a violência, absoluta. O ideal civilizatório é uma tentativa de criar uma sociedade livre, consciente de si, do outro e capaz de criar laços relacionais que nos tornem humanos, justos e fraternos. O desafio é grande, pois o homem é capaz de tudo. Podemos ir da mais alta virtude para a mais baixa maldade. A vida é tão contraditória que é possível matar por amor. E vejam que interessante: aqueles que mataram o Estado também o amavam; na verdade, amavam mais o dinheiro do povo que, na forma de impostos, recolhiam para si. Era um amor monetário, regido por interesses inconfessáveis.
Chegou a hora das despedidas. Paradoxalmente, precisávamos matar o Estado para o nascimento daquilo que chamamos de “Governo”. O fim das fábulas estatizantes faz surgir a necessidade de concretos atos governativos. Objetivamente, não há democracia autêntica sem bons governos. É a capacidade de bem governar que faz da política uma possibilidade de organização social eficaz. Por assim ser, quando a política peca, a democracia sofre.
A bagunça que estamos vivendo é o reflexo da falta de políticos minimamente dignos, competentes e qualificados a enfrentar os complexos problemas da contemporaneidade. A maneira como iremos construir esta nova governabilidade representará o Brasil do futuro. Como tudo na vida, poderemos ser melhores ou piores amanhã. Não há garantia de progresso. Temos escolhas a fazer. Mas quais e quem são as nossas opções de mudança?
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