Nos últimos tempos, o debate acerca do papel do governo na economia tem se acentuado, tanto no que se refere a sua atividade como agente produtor como no que diz respeito as suas funções ligadas ao financiamento. Naturalmente, a discussão acerca da estratégia a ser seguida pelas empresas estatais e pelos diversos órgãos de governo depende da avaliação que for feita acerca da capacidade do setor privado e da administração pública direta de dar conta por si só do desafio de elevar a taxa de investimento da economia. Com efeito, se a taxa de investimento prevista para 2010 é da ordem de 18% a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) e é um consenso que é desejável que, em algum momento da segunda metade da década de 2010, atinja o nível de 22% a 23% do PIB, é legítimo que no debate sobre o tema existam aqueles que questionam até que ponto tal meta será plausível sem que haja um papel maior do Estado nesse processo.
Para responder a essa questão, é útil indagar, na história recente do país, nas fases em que a taxa de investimento da economia se expandiu, se houve situações em que foi possível aumentar a participação do investimento no PIB de forma importante e em que contexto isso ocorreu. Nesse sentido, é interessante observar que, tanto em 2000 como em 2004 – anos de bom crescimento da economia – é possível identificar casos em que o investimento cresceu a uma taxa razoável, sem que para isso tenha sido necessária uma ampliação significativa do esforço estatal, seja como agente de atuação direta na economia, seja nas atividades de fomento. A explicação para o equacionamento do desafio do aumento do investimento naquelas circunstâncias residiu no perfil do crescimento adotado, tanto em um caso como em outro. No ano 2000, bem como na experiência de retomada em 2004, o denominador comum a ambas situações foi um crescimento importante da economia, baseado no investimento, com ênfase no papel do setor privado, no contexto de ampliação do mercado de capitais e viabilizando a ampliação da taxa de investimento, na prática, mediante uma redução da relação consumo/PIB, por meio do aumento do consumo total do consumo a taxas positivas, porém inferiores às do PIB.
A situação pode ser resumida nos seguintes indicadores. Não foram colocadas as taxas de crescimento das variáveis em 1999 e 2003, para colocar o foco da discussão nos anos de 2000 e 2004 e na mudança em relação aos anos imediatamente anteriores. Em 2000, o PIB cresceu 4,3%, com uma expansão de 5% do investimento e de 3% do consumo total, sem maiores mudanças do papel do Estado: o desembolso das instituições financeiras públicas no PIB se manteve praticamente constante e o investimento das estatais federais ficou estável como proporção do PIB. Já em 2004, o crescimento do PIB foi de 5,7%, sendo que o do investimento foi de 9,1% e o do consumo total de 3,9%, enquanto que o desembolso das instituições financeiras públicas se conservou estável como fração do PIB e o investimento das estatais federais caiu ligeiramente, em torno de 0,1% do PIB. É interessante destacar que, em ambos casos, a expansão se deu apesar de prevalecerem taxas de juros reais ainda elevadas: em termos reais, deflacionando as variáveis pelo IPCA, a TJLP e a Selic em 2000 foram de 5% e 11%, respectivamente, enquanto que em 2004 elas ainda foram de 2% e 8%, respectivamente. É bastante razoável supor que no futuro, com taxas de juros reais menores, o impulso ao investimento privado seja maior do que no contexto daqueles dois momentos.
A lição que se depreende da análise desses casos é que tais exemplos sugerem que, com uma expansão positiva do consumo, porém a um ritmo contido e a taxas inferiores às de crescimento da economia, é possível viabilizar uma ampliação da taxa de investimento, sem gerar desequilíbrios e sem exigir uma maior presença do Estado na economia. Em ambos casos, a expansão da relação Formação Bruta de Capital Fixo/PIB foi financiada pela redução da relação consumo/PIB e a consequente expansão da poupança doméstica. É esse o caminho que o Brasil deveria trilhar na próxima década, no bojo de uma maior expansão do mercado de capitais.
Fonte: Jornal “Valor econômico” – 11/10/10
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