Estado e Dívida Pública são duas coisas que foram inventadas praticamente de forma simultânea. Um não vive sem o outro. Na teoria econômica existem duas vertentes principais para tratar dos gastos do governo. A primeira é que tal expediente não é eficaz para promover crescimento econômico, dado que gera distorções na alocação de recursos por entes privados. O segundo, entretanto, afirma que tais gastos são necessários em momentos de depressão do nível de atividade para promover a volta a uma trajetória de bonança econômica. A olho nu tais visões parecem dicotômicas, mas uma análise mais apurada clama pela intersecção de tais visões.
Quando se fala em Dívida Pública mais importante do que verificar o seu montante em relação ao PIB de um país é acompanhar i) o prazo de maturação e ii) o serviço (juros) pago por essa dívida. Um país pode ter uma alta relação Dívida/PIB, mas possuir prazo de vencimento e juros implícitos bastante confortáveis. Nesse contexto, o risco de default é relativamente baixo, o que implica em boa classificação de risco pelas agências internacionais. Por outro lado, aquela relação [Dívida/PIB] pode ser relativamente baixa, mas tanto o prazo quanto o serviço da dívida podem ser elevados. Naquela situação encontra-se o Japão, nessa o Brasil, por exemplo.
Nesse contexto, a aplicação daquelas visões teóricas deve ser feita com cuidado, seja por analistas, seja por jornalistas econômicos. É verdade que a política fiscal possui uma potência considerável para tirar uma economia da recessão – sendo correlacionada de forma positiva à propensão a consumir dos agentes -, mas também é verdade que não se pode abusar de tal expediente. A interpretação rasteira da Teoria Geral, a de que tal instrumento deve ser uma panacéia econômica, não deve ser levada a cabo por economistas sérios.
De outra forma, não se deve interpretar o artigo de Barro[1] a ferro e fogo – como fazem muitos por ai. A ideia geral da equivalência ricardiana é tão simples quanto dizer que uma hora os agentes irão reagir de forma negativa a uma expansão desenfreada dos gastos do governo [e o conseqüente aumento do estoque de dívida]. Isto porque, se o déficit nominal aumenta é porque ele está sendo financiado i) ou por emissão monetária; ii) ou por emissão de títulos públicos; iii) ou por elevação de impostos.
Dado que financiar gasto com emissão de moeda saiu de moda e que elevar impostos pari passu aumentam-se gastos não faz muito sentido, a emissão de títulos tem sido o principal canal de financiamento dos governos. E assim, aumenta-se o estoque de Dívida Pública toda vez que o governo resolve gastar mais do que arrecada. Desse modo, estão citadas as condições para reequilibrar as coisas entre uma e outra teoria.
Barro utiliza Expectativas Racionais, em uma versão bastante forte, para justificar seu argumento. Mas, relevem: o artigo é de 74, auge daquele movimento, tempo de estagflação, declínio do fiscalismo e, principalmente, fascínio pelas idéias de Lucas, Sargent e Cia. Se você lê-lo hoje é bem possível que tenderá a concordar com o que o seu professor keynesiano está tentando colocar na sua cabeça. Abstraia, entretanto, o modelo em si e atente-se para a idéia geral do artigo: os agentes não são trouxas. E o próprio Keynes concordaria com isso, se vivo ainda fosse!
Ora, leitor, dado que aumentar gastos com o financiamento posto gera aumento do estoque de dívida, uma hora ou outra haverá risco de solvência. Sendo mais claro ainda: o Estado não pode elevar gastos para sempre. Uma hora terá de fazer um ajuste fiscal [leia-se: conter gastos públicos]. E isso se aplica também aos EUA, país que hoje possui uma moeda de reserva internacional. Caso as coisas fiquem muito ruins, uma hora ou outra os agentes [que não são trouxas] procurarão outro ativo para exercer essa função.
Nesses termos, a avaliação da política fiscal deve passar pelas seguintes premissas: i) se é necessário gastar mais do que se arrecada, i.e., se a economia precisa de uma política fiscal expansionista; ii) como será feito o financiamento do déficit público (se via emissão de títulos, de moeda ou elevação de impostos); iii) o prazo de maturação e o nível dos juros implícitos (caso seja feita emissão de títulos); iv) o estoque de Dívida Pública.
Não há, portanto, uma dicotomia entre a visão clássica e a keynesiana. Isto porque, é inexorável que no longo prazo o Estado deve gastar apenas aquilo que é capaz de arrecadar. No curto prazo, porém, para atenuar recessões [ou mesmo depressões] os instrumentos de política fiscal podem e devem ser usados de forma bastante ativa. A ligação entre um e outro ponto é precisamente o acompanhamento do ciclo de negócios. Qualquer outra coisa que você ouça por ai é conversa para boi dormir.
[1] Barro, Robert J. (1974) “Are Government Bonds Net Wealth?” Journal of Political
Economy 82 (Nov/Dez 1974) 1095-1117.
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