Ouvir o termo “foro privilegiado” é quase rotina para nós brasileiros, mas você sabe o que significa? Tecnicamente, o nome correto é foro especial por prerrogativa de função e trata-se de um mecanismo pelo qual se altera a competência penal de ações contra determinadas autoridades públicas. Na prática, isso significa que uma ação penal contra agentes políticos, ou de poder, é julgada por tribunais superiores, diferentemente do que acontece com um cidadão normal, que é julgado pela justiça comum.
O advogado especialista em Direito do Estado, Sebastião Ventura, explica que antes de ser um benefício pessoal para o agente público, o foro privilegiado tem o objetivo de assegurar a integridade da instituição representada. No entanto, deveria ser usado apenas em circunstâncias extraordinárias. Ouça o podcast!
“Aqui no Brasil essa questão foi banalizada. De acordo com estudos, há entre 22 mil e 37 mil pessoas usufruindo desse tipo de foro. Seria um benefício legal para institucionalidade que se transformou num privilégio para determinadas classes de poder”, esclareceu.
Quando um país possui muitas pessoas beneficiadas pelo foro privilegiado, há um impacto direto no cumprimento da justiça. Os processos se tornam lentos e são abertas brechas para a ausência de punição.
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Sebastião Ventura destaca que, em países como o Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Alemanha, não há esse tipo de privilégio. “Na Itália apenas o presidente goza do foro de prerrogativa de função e, em Portugal, o presidente, o primeiro-ministro e o presidente da assembleia da República”.
Assim, é possível entender que, no Brasil, existem diversas autoridades que deveriam ser julgadas como cidadãos comuns, mas não são. Para Sebastião, o resultado é um sistema de repressão criminal disfuncional e ineficiente, que acaba gerando o aumento da impunidade.
“Se nós queremos um sistema de repressão penal eficiente, se não queremos que a impunidade seja a marca da República, precisamos restringir de uma forma muito forte e severa essa questão do foro de prerrogativa de função no Brasil. Porque no final do dia, isso representa impunidade para poderosos e políticos”, observou.
Foro privilegiado não ajuda a combater a corrupção
É evidente que o foro privilegiado atrapalha o combate à corrupção. “Na república, um político é um cidadão que, uma vez eleito, passa a trabalhar em nome do povo. Logo, se na eventualidade ele cometer algum delito, ele deve responder tal qual aquele que o elegeu. O presidente da república talvez mereça o foro, mas deputados e senadores não”, apontou.
Segundo Sebastião, a grande questão é que não era esperado que tivéssemos um sistema corrupto de poder e que inúmeros políticos fossem se tornar alvos de demandas criminais.
“Se o princípio da moralidade pública fosse mesmo privilegiado, uma vez recebida a denúncia criminal, o político deveria se afastar da vida pública e responder o processo. Mas infelizmente não é assim. Eles se mantêm apegados ao cargo justamente para ter a prerrogativa de foro e, diante da inaptidão das cortes superiores para esse tipo de matéria, conseguirem prolongar ao máximo esse o processo a fim de garantir a impunidade ao final”, atestou.
Para acabar com o foro privilegiado, de acordo com Sebastião, entre as soluções estão a simplificação do sistema processual e a garantia da autoridade das decisões dos juízes de primeiro e segundo grau.
“Os tribunais superiores são instâncias de legalidade, que somente em casos excepcionais invocam para si a responsabilidade de aplicar o direito federal à espécie ou a constituição da república, e não de uma forma reiterada, desregrada como tem sido feito, que passa para o cidadão uma imagem de total insegurança jurídica”, concluiu.
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Para que a sociedade brasileira se desenvolva é preciso que a diferença entre conceitos como direitos e privilégios seja entendida. Por isso, o Instituto Millenium traz os esclarecimentos necessários através de pesquisas e estudos com o intuito de disseminar o conhecimento em prol da busca por um Brasil melhor.