* Por Marcelo Blay
Tendemos a ter visões mais sombrias sobre o porvir, ainda mais num momento tão complicado como o que estamos vivendo. No entanto, a avaliação para o futuro do mercado de seguros no país, pós-Covid-19, é que ele é muito promissor.
No Brasil, por questões culturais, sempre notamos uma baixa adesão da população a outros tipos de seguros que não fossem os de automóveis. Além disso, também já ouvimos que os dias do seguro de automóvel estavam contados em função da chegada da economia do compartilhamento e da mudança do hábito da sociedade com relação a mobilidade (bicicletas, patinetes); de empresas como Uber e aplicativos de táxi; veículos autônomos; veículos por assinatura, entre tantas outras tendências. No entanto, a chegada da Covid-19 colocou em evidência uma reversão de tendência, não só com relação ao automóvel, mas também com a casa, a vida, a saúde e a empresa.
Houve um crescimento muito significativo na demanda e nas vendas de seguros que tradicionalmente o brasileiro não dá muita importância. Para as pessoas físicas, as vendas de seguros de vida dispararam 136% em março, em relação ao mesmo período de 2019. A procura por termos relacionados a proteção financeira aumentaram 157% entre fevereiro e março, de acordo com estudo do Google. As vendas de seguros residenciais estão em trajetória ascendente. Com relação aos seguros empresariais, apesar de ver a queda na busca de proteção patrimonial, houve crescimento da procura por seguro de vida em grupo, com um aumento de 250% em março de 2020, na comparação com o mesmo mês do ano passado.
A pandemia e a necessidade de distanciamento social fizeram com que o automóvel passasse a ser um dos meios de transporte mais seguros. Além disso, o carro limita a necessidade de interação, que é inevitável no transporte público. A queda no preço do petróleo fará com que o preço da gasolina também seja impactado (pelo menos em mercados desenvolvidos), tornando a utilização do automóvel particular ainda mais atrativa.
Sabemos que a indústria automotiva é grande fonte geradora de empregos no Brasil. Muito provavelmente o governo, para incentivar a retomada econômica, terá que exercer apoio a esse setor para recuperar postos de trabalho e gerar renda para uma massa de trabalhadores. A taxa de juros em um dos patamares mais baixos da história do país também é um fator que irá colaborar com o financiamento para a compra de veículos. Essa conjunção de fatores fará com que a venda de seguros de automóveis também aumente.
Podemos pegar carona nesta lógica para a questão das vendas de seguros residenciais. Assim como a indústria automotiva, a construção civil é grande empregadora no Brasil. Com a taxa de juros em patamares muito baixos e a retomada do financiamento habitacional, aliada à mudança forçada – mas bem aceita e absorvida – do trabalho em home office, podemos ter um boom na venda de imóveis. E isso já se reflete no interesse crescente pelo seguro residencial. E não apenas por atributos tradicionais do produto (como a cobertura contra roubo, incêndio, danos elétricos), mas também pela ampla gama de serviços que são atrelados à apólice, como serviços de eletricista, encanador, chaveiro e até help desk, entre outros. Esses serviços ganham grande relevância quando passamos a trabalhar em casa, tendência que veio para ficar.
Em paralelo, há os seguros para equipamentos eletrônicos, como computadores, celulares e tablets, sem os quais não conseguimos trabalhar e nos adaptar à na nova ordem digital do mundo. E um fato interessante que constatamos foi a surpresa dos clientes ao se depararem com as cotações dos seguros de casa e de vida, com custos muito inferiores aos dos seguros de carros.
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É importante ressaltar, entretanto, que alguns ramos da indústria de seguros devem ser impactados negativamente. Seguros como de viagem, lucros cessantes, eventos, fiança locatícia, aéreo, de crédito e para pequenas e médias empresas, por exemplo, devem sofrer com baixa de demanda. Vários destes estarão sujeitos a discussões judiciais e outros sofrem diretamente o impacto da necessidade de distanciamento social.
Com relação aos seguros para empresas, há boas e más notícias. A positiva é que vem surgindo um crescente interesse por apólices de seguro de vida em grupo e de saúde, diretamente relacionadas à percepção de riscos de morte e de doença escancarados pela Covid-19. A oferta desse benefício, se já era importante, passa a ser fator decisivo para conseguir atrair talentos para uma empresa. Com relação aos seguros patrimoniais empresariais, há produtos que cobrem aspectos relacionados ao trabalho em home office. Pela ótica negativa, vemos a redução do mercado potencial para venda de seguros para empresas, em função do significativo volume de negócios que estão fechando ou irão fechar as portas em função da crise econômica.
A retomada do crescimento econômico muito provavelmente passará por investimentos do governo em infraestrutura e parcerias com a iniciativa privada. O mercado de seguros possui uma gama de produtos adequada para suportar essa atividade econômica, como seguros de garantias de obrigações contratuais, entre outros. Não menos importante, essa nova era da economia traz riscos de ataques cibernéticos. O tema do roubo de bases de dados, invasão de privacidade, sequestros eletrônicos, entre tantos outros crimes virtuais, passou a fazer parte das conversas diárias. Existem seguros específicos para este tipo de risco que, muito provavelmente, terão um boom de vendas.
O mercado de seguros no Brasil tem um potencial enorme. A parcela de pessoas e empresas que possuem algum tipo de seguro é muito pequena, na média, talvez menos de 20%. Em função desse cenário e da baixa penetração dos seguros na sociedade, esse mercado tem todas as condições para ter um futuro promissor.
Fonte: “O Globo”, 18/6/2020