SÃO PAULO – Jornalistas da Venezuela, da Argentina e do Equador criticaram nesta segunda-feira o silêncio do governo brasileiro diante de medidas restritivas contra a imprensa em seus países e alertaram para que o Brasil tenha cautela no debate de novas leis no setor. Para eles, o Brasil é uma espécie de “irmão mais velho” da América Latina e precisa assumir a liderança na manutenção de princípios democráticos de liberdade de expressão. Já os especialistas brasileiros apontaram para os riscos do cerceamento da imprensa no país.
A questão foi debatida nesta segunda-feira durante o 1º Fórum “Democracia e Liberdade de Expressão”, realizado pelo Instituto Millenium, em São Paulo, com profissionais e dirigentes dos meios de comunicação e intelectuais. As críticas foram ouvidas pelo ministro das Comunicações, Helio Costa, que estava na plateia, aguardando para fazer sua palestra. Constrangido, o ministro afirmou categoricamente em seu discurso em seguida que o governo federal não permitirá a discussão sobre o controle social da imprensa, conforme defende o PT. Após sua fala, acompanhou parte de um debate sobre o suposto risco da candidatura Dilma Rousseff (PT) para a imprensa. O partido do ministro, o PMDB, disputa a vaga de vice na chapa.
– Há silêncio e cumplicidade nas democracias iberoamericanas. Os países obtiveram muita ajuda da Venezuela, e encontraram em Chávez uma fonte de negócios muito lucrativa. Por isso, fazem vista grossa – disse Marcel Granier, dono da emissora RCTV, a maior do país e que foi fechada por determinação do presidente venezuelano.
Granier fez ainda uma crítica direcionada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na semana passada posou para fotos em Havana, ao lado de Fidel Castro e seu irmão, Raúl, atual presidente de Cuba:
– Os líderes latinoamericanos apareceram recentemente celebrando não sei o quê, enquanto um dissidente cubano morreu na cadeia. Os dirigentes abraçavam Fidel e não disseram nada. É um silêncio coletivo que invadiu todo o território iberoamericano – disse ele, a propósito da morte do preso político cubano Orlando Zapata Tamayo, que morreu após uma greve de fome de 82 dias por melhores condições na prisão e pelos direitos humanos.
O jornalista Adrián Ventura, do La Nación (Argentina), acrescentou:
– Não é o silêncio dos inocentes. É o silêncio dos culpados. Muitos, culpados por fazer negócios com o governo da vez, fazem silêncio.
O ministro não fez comentários sobre o “silêncio” do país em seu discurso e passou a imagem de que o Brasil está protegido das ameaças à imprensa:
– Ao chegar aqui pensei que tínhamos inúmeros problemas no tema analisado. Mas depois de ouvir as exposições dos jornalistas, confesso que me sinto bem mais à vontade. Nós já superamos várias dessas fases. E temos consciência de que precisamos trabalhar muito para preservar aquilo que conquistamos – disse Costa, que à saída do evento afirmou, em entrevista coletiva, que a situação da América Latina quanto à liberdade de imprensa é preocupante.
Ele defendeu a bandeira da “auto-regulação” da imprensa e pediu que esse debate seja feito com maturidade pelas empresas. E, sem citar o PT, garantiu que a proposta de controle social não é uma posição de governo.
– O governo foi unânime na Confecom. Os ministros Franklin Martins (Comunicação Social) e Luiz Dulci (Secretaria Geral) disseram que em hipótese alguma aceitariam o controle social sobre a mídia. Quero deixar clara a posição do governo: em nenhum momento isso foi discutido, será discutido ou será permitido discutir, do ponto de vista governamental. Isso é intocável – disse Costa.
O ministro destacou a necessidade de avançar na revisão da Lei de Telecomunicações e na Lei de Radiodifusão. Para os palestrantes estrangeiros, é necessário ter cautela para evitar restrições à liberdade nas revisões, conforme ocorreu em seus países.
– Se o Brasil avançar em uma lei restritiva para a imprensa, os outros países estariam em apuros porque o Brasil é nosso irmão mais velho – disse Adrián Ventura. Ele apresentou o contexto de perseguição do Estado a veículos de comunicação nas gestões do casal Kirschner que culminou na lei que restringe a atuação das empresas de comunicação. Atualmente as normas estão suspensas por medidas cautelares judiciais.
Sobre a lei de controle da imprensa, Ventura explicou que, na Argentina, ela tramita ainda no Parlamento, mas que é difícil derrubar os artigos polêmicos.
– Articular esse tipo de lei é muito mais fácil do que desarticular_ disse o argentino.
Do Equador, o jornalista Carlos Vera classificou de “ditatorial” a atuação do presidente Rafael Correa.
– A estratégia chavista está sendo aplicada no Equador. No ano passado, Correa convocou cadeia nacional de rádio e televisão 289 vezes. É um discípulo mais avançado que o coronel Hugo Chávez. É uma forma direta de ditadura. No Brasil, tomara que a lei acabe em uma maior regulação, não em maior controle. Cuidado para não levar gato por lebre. Quando há corrupção, o único contrapeso democrático válido é a imprensa livre e independente -completou.
Para Vera, é preciso contar com o apoio da sociedade:
– É preciso mobilizar a sociedade a favor dos meios de comunicação, entendendo que não somos perfeitos, que cometemos erros – disse o equatoriano, que destacou ainda: – Tem-se de estar consciente de que, quando se perde uma liberdade, se perdem as demais.
A situação na Venezuela foi apresentada por Marcel Granier, que teve seu canal de televisão fechado pelo governo duas vezes (na TV aberta e na TV a cabo). Ele destacou que o fenômeno chavista é fruto de décadas de deterioração institucional e a crescente ideologia estatizante do país. Ele apelou para que Brasil, México, Colômbia e Peru não cedam a pressões populistas no campo da imprensa.
– A Lei de Responsabilidade Social nos meios de comunicações foi o primeiro ato direto de censura. Permitiu que fossem fechadas 40 emissoras de TV e rádios. Nós fomos fechados duas vezes. Com exceção da Globovisión, ninguém noticiou o fechamento dos meios, ninguém entrevistou os empresários – disse Granier.
O segundo painel contou com a presença do sociólogo Demétrio Magnoli, e dos jornalistas Denis Rosenfeld e Carlos Alberto di Franco. Para Magnoli, o PT tem uma linha “stalinista” em relação à imprensa. Ele apontou para os riscos de cerceamento da liberdade de imprensa.
As outras mesas de debate contaram com nomes como Arnaldo Jabor, Roberto Romano, Marcelo Madureira, Reinaldo Azevedo e Sidnei Basile. Os deputados Miro Teixeira (PDT) e Fernando Gabeira (PV) eram esperados para a última palestra, com encerramento do jornalista Otávio Frias Filho, da “Folha de S. Paulo”. A abertura do evento foi feita por Roberto Civita, do grupo Abril. Na platéia, estavam ainda diretores de meios de comunicação, como o jornalista João Roberto Marinho, das Organizações Globo.
Manifestação:Na porta do hotel onde se realizava o fórum, a chuva não desanimou um grupo de manifestantes. Vestidos de palhaços, representantes de entidades sindicais, do MST e de movimentos organizados sobre gênero e etnia, protestaram contra o que consideram a criminalização dos movimentos sociais. Chamado de “Fórum de Rua”, os manifestantes reivindicavam “democracia e liberdade de expressão”.
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/03/01/jornalistas-estrangeiros-criticam-silencio-do-governo-lula-na-defesa-da-liberdade-de-imprensa-na-venezuela-em-cuba-915966752.asp
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