Se a Bolsa de Valores rompeu a barreira de 100 mil pontos, se o primeiro leilão de privatização de aeroportos recebeu ofertas com ágio médio de quase 1000%, se o apetite dos investidores pelo Brasil está aguçado, o motivo é um só: o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Mais que qualquer outro ministro, Guedes se tornou, ao mesmo tempo, fiador e aposta do governo Bolsonaro diante do mercado. É para ele que todos os olhos estavam voltados ontem em Washington. Foi seu discurso, mais que os demais, que fez brilhar os olhos da plateia.
Diversos ministros e integrantes do governo sofreram ataques difamatórios promovidos por militantes bolsonaristas nas redes sociais, por motivos políticos ou ideológicos. Nem os ministros da Educação, Ricardo Vélez, ou da Justiça, Sérgio Moro, foram poupados. Guedes foi – embora suas divergências com a ala nacionalista do governo sejam as mais pronunciadas entre todos na Esplanada.
Guedes é um liberal clássico, almeja que o Brasil seja uma Grande Sociedade Aberta, conceito do filósofo Karl Popper que inspirou a Open Society do bilionário George Soros, uma espécie de besta-fera para bolsonaristas e nacional-populistas mundo afora. Sua visão de mundo e do comércio internacional – “a América é só um grande mercado para as multinacionais” – permitiria a qualquer detrator xingá-lo de “globalista”. Não é o que tem ocorrido.
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Para o público externo, ele afirma ter comprado a distinção especiosa entre “globalismo” e “globalização”. Na prática, sabe que ideologia não enche barriga. Continua o mesmo liberal que sempre foi. Os ataques a Guedes têm partido de onde sempre partiram: partidos e economistas de esquerda, que o consideram a encarnação do ideário “neoliberal”, fracassado depois da crise de 2008.
Bolsonaro, seus filhos e acólitos que inflamam o bolsonarismo nas redes sociais parecem ter noção perfeita da relevância de Guedes para o sucesso de seu projeto de poder. Sem ele, o governo se vê reduzido a uns poucos técnicos, às tentativas até agora infrutíferas de Sérgio Moro para endurecer a lei e aos desvairados obcecados pela agenda ideológica (nem mesmo de “agenda de costumes” seria correto chamá-la).
Sem Guedes, o governo desmorona, perde toda a consistência econômica que faz o mercado e os setores produtivos darem um voto de confiança a um político que jamais havia administrado um quiosque de feira. Como aposta, é compreensível.
Mas os motivos para ceticismo continuam presentes e inalterados. Apesar de Guedes rechear seus discursos de referências a abertura, descentralização, pacto federativo e coisas do tipo, a peça-chave na estratégia do governo é a reforma da Previdência. Não há votos na Câmara nem no Senado para aprová-la na forma como enviada pelo governo. Essa é a realidade. Que reforma será aprovada? A que os parlamentares quiserem.
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Para seduzi-los, o governo já esqueceu o discurso de campanha sobre o toma lá, dá cá. Começou a liberar a execução de emendas parlamentares. Guedes se comprometeu a liberar repasses regionais. Cargos de segundo e terceiro escalão também estão na mesa. Será suficiente para garantir apoio às economias de US$ 1 trilhão de que não abre mão? Difícil saber. A resistência às mudanças na Previdência, importante lembrar, começa no próprio partido do governo.
Na falta de habilidade e capacidade de articulação política do presidente com o Congresso, o próprio Guedes assumiu esse papel, secundado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não é uma relação isenta de tensões. Até agora, o governo não enviou a proposta de reforma para militares, sem a qual Maia diz que a outra nem sai do lugar. Se o que vier parecer generoso demais, a chiadeira tomará conta das negociações.
O governo depende de Guedes. Guedes depende da Previdência. A Previdência depende do Congresso. Cenário e prazo realista de aprovação precisam estar claros até o final deste ou do próximo mês. Do contrário, não haverá discurso capaz de conter o refluxo da maré.
Fonte: “G1”