Um presidente sem maioria no parlamento e que decide impor sua agenda é o cenário típico de crises de governabilidade. Instaura-se assim o que Juan Linz cunhou o problema da legitimidade dual —tanto o chefe do executivo quanto os congressistas são eleitos pelo voto popular.
A crise instala-se porque presidentes, em contraste com primeiros-ministros, têm mandato fixo. O presidencialismo não contém a válvula de escape do parlamentarismo e que lhes dá flexibilidade: a moção de desconfiança.
Às mesmas conclusões chegou, entre nós, Medeiros de Albuquerque, que afirmava em “Parlamentarismo e presidencialismo no Brasil” (1914) que a eleição de um presidente “representa sempre uma aventura”: “A república presidencial não prepara estadistas. Não os pode preparar. Durante cada período só há um homem —um só— que dirige a nação. Erre ou acerte, ele tem de ficar todo o prazo constitucional”.
Acrescentava dois problemas adicionais: o da qualidade do material humano e da responsabilização sob o presidencialismo. “O regime parlamentar exige um mínimo de competência dos homens que aspiram ao poder supremo. O presidencial não tem, para baixo, nenhum limite”. Qualquer ministro do Segundo Reinado, “mesmo o mais nulo sabia expor as questões, sabia mostrar as várias soluções possíveis. Era forçoso. Era de ofício”.
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O regime parlamentar “não tem o dom de fazer cogumelar estadistas geniais. Há nulidades em todos os domínios da atividade humana. Mas o incontestável é que esse regime não admite que um tenentinho ignorante pule da tarimba para a chefia de poder, sem preparo, sem conhecimentos de quaisquer espécie”.
E pergunta: “Com o regime parlamentar seria possível a elevação ao poder do Marechal Hermes?”. Ou Pinheiro Machado, que embora “tenha tido um tão longo e tão absoluto domínio na política nacional, nunca defendeu na tribuna uma medida de ordem geral. Quando entrava em campo era para votar a lei que melhorava a reforma do General X… a lei que concedia pensão a fulano ou sicrano”.
A principal consequência do mandato fixo era que o presidente não era responsabilizável. O único instrumento disponível é o impeachment, medida que “só um numero espantoso de crimes levaria o congresso àquele ato de desespero”.
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“Para o congresso chegar a ousar o processo de um presidente e decidir-se a afrontar todos os inconvenientes decorrentes desse ato, seria preciso que ele fosse um grande criminoso, e sendo um grande criminoso, não recuaria de certo diante da corrupção de meia dúzia de homens políticos”.
Há duas lacunas, no entanto, na instigante análise de Medeiros: o Judiciário e os partidos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 01/04/2019