É formidável o capital institucional construído ao longo da história evolucionária da civilização ocidental. São séculos de tentativas e erros, de contínuo aperfeiçoamento de instituições para melhor coordenação social, política e econômica de grupos humanos cada vez maiores. A democracia representativa, o estado de direito, a imprensa livre, as economias de mercado, o regime de moeda fiduciária e as redes de solidariedade social são os pilares dessa síntese ocidental.
Pois bem, os dois lados do Atlântico assistem com apreensão e desencanto, em meio aos estilhaços da crise contemporânea, ao desempenho embaraçoso das modernas democracias liberais. Os chefes de Estado estão atordoados, há sinais de declínio e decadência em toda parte.
Os excessos dos financistas anglosaxões descredenciaram a livre iniciativa para uma parcela da opinião pública. E a irresponsabilidade dos social-democratas europeus desacreditou seus governos nacionais para boa parte da população ao levar à falência as redes de solidariedade e assistência social. As crises bancárias, o colapso do crédito e a quebra dos governos são sintomas do mau funcionamento do regime fiduciário.
É nesse conturbado ambiente externo que o governo de Dilma Rousseff terá de ensaiar seus primeiros passos. A ininterrupta expansão dos gastos públicos, com transferências de renda e programas de assistência social, é um desdobramento compreensível de nosso processo de redemocratização. Se há uma contribuição da social democracia à nossa prática política foi exatamente a democratização dos orçamentos públicos, a maior preocupação com o capital humano brasileiro, principalmente nas dimensões de saúde, educação e moradia, em contraste com a obsessiva acumulação de infraestrutura física sob o regime militar.
Mas, por ignorância econômica, preconceito ideológico e oportunismo político, a social-democracia hegemônica preferiu manter as engrenagens do Antigo Regime. Recebeu em troca o apoio das criaturas do pântano — políticos conservadores, grupos de interesse e correligionários arrivistas. A hipertrofia e o aparelhamento da máquina do Estado são um monumento a essa aliança perversa, a essa incapacidade de reformar o antigo que se tornou obsoleto em face das necessidades de um novo tempo. A inauguração de um governo é a oportunidade de escapar desse labirinto.
Fonte: O Globo, 22/11/2010
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