* Por Victor Oliveira
Na tumultuada sessão para eleição da Presidência do Senado, chamou atenção quando o Senador Jorge Kajuru (PSB-GO) foi ao microfone para dizer que decidiria seu voto naquela eleição através de uma enquete na sua página do Facebook. Kajuru daria algumas opções de voto aos visitantes, sendo a opção mais votada a que seria adotada pelo Senador no plenário.
A postura do Senador abre uma discussão sobre o estágio atual da democracia representativa, suas eventuais distorções e sua fronteira com a democracia direta. Em linhas gerais, o princípio fundamental da democracia representativa é a delegação de poder, ou seja, quando o eleitor vota em determinado candidato, estaria assinando uma procuração, para que o eleito tome decisões em seu nome no Parlamento. Os assuntos de interesse do eleitor seriam, supostamente, debatidos durante a campanha eleitoral e, assim, as futuras posições do parlamentar já seriam de conhecimento público.
Também é importante salientar a independência necessária, para que o parlamentar tome sua posição após ler, entender e debater com seus pares e/ou organizações e pessoas da sociedade civil sobre o assunto em voga. Entretanto, com o advento das redes sociais, as formas de controle dos eleitores sobre a atuação de seus representantes expandiram consideravelmente. Agora, é possível medir em tempo real a reação da sociedade às decisões tomadas no parlamento e o nível de satisfação com o posicionamento e desempenho de um parlamentar.
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Não são poucas as vezes em que os parlamentares são instados a ouvir o clamor popular para decidirem sobre determinada questão. Nesse ponto é que surge a ideia de Kajuru. Com a atribuição de tomar as decisões e votar no Parlamento, ele inverte a ordem e delega aos eleitores a tarefa de decidir, sendo o seu voto o vencedor na enquete realizada em sua página no Facebook. Desta forma, o controle sobre o mandato não se dá apenas depois das decisões tomadas, mas através da participação direta no processo de decisão do senador a respeito de seus posicionamentos na Casa.
Nessa configuração, o debate que acontece no plenário da Casa é secundário (para não dizer irrelevante) na decisão do parlamentar. O debate principal está sendo travado por eleitores, nas redes sociais e nas ruas, e terá o resultado expresso na enquete que subsidiará o voto do Senador. Se todos os senadores e deputados decidirem agir da mesma forma, não seria melhor fechar o Congresso e retomar a Ágora, espaço no qual as decisões políticas eram tomadas na Grécia antiga, onde havia democracia direta?
Há alguns riscos sobre vincular o voto às enquetes no Facebook. O primeiro deles é o senso comum prevalecer, e a decisão que atenda o clamor popular acabar prejudicando, justamente, a população que apoiou. Por exemplo, dificilmente uma enquete sobre a Reforma da Previdência traria um resultado a favor da proposta. Entretanto, ela é parte fundamental do ajuste das contas públicas, evitando um colapso que agravaria a situação econômica do país, destruindo empregos e renda.
Outros pontos também poderiam ser tomados pelo senso comum do clamor popular. O valor do salário mínimo poderia, finalmente, chegar ao valor pretendido pelo DIEESE, com a inflação voltando a ter 3 dígitos (numa previsão otimista). Ou ainda, a redução da maioridade penal poderia ser para 16 ou 14 ou 12 anos. E também a retirada de assessores, redução de salários e benefícios dos políticos no exercício do mandato.
É justamente por isso que o parlamentar funciona como um filtro, tendo legitimidade para decidir com independência e amparado em critérios técnicos, buscando atender às necessidades da população. Em alguns momentos, o clamor popular choca-se com os dados e a fundamentação teórica de determinada matéria. Aí entra a competência e talento do parlamentar para equilibrar essas questões e proferir seu voto, mesmo que contrarie a voz das ruas e seja impopular.
Outra questão fundamental diz respeito aos votantes das enquetes promovidas por parlamentares. As redes sociais são abertas para qualquer um votar. Kajuru, representante de Goiás, terá em sua página eleitores de todo o Brasil escolhendo qual deverá ser seu posicionamento no Senado. É razoável o representante de um estado ter suas decisões influenciadas por eleitores de outros estados, e assim, eventualmente acabar prejudicando o próprio estado em uma situação específica?
A crise de representação atual é evidente, e não atinge apenas o Brasil, como países desenvolvidos. As redes sociais mudaram sensivelmente a dinâmica de participação e controle dos eleitores sobre as decisões políticas. Porém, é necessário ter bem claro o limite entre a democracia representativa e a democracia direta, sem excluir os canais de participação. Do contrário, viveremos em uma sociedade na qual as decisões mais importantes serão tomadas a partir de debates travados no Facebook, esvaziando o sentido de existência do Parlamento.
* Victor Oliveira é mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar).
Fonte: “Terraço Econômico”,12/02/2019